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Os campeonatos de futebol na locadora

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Acordar bem cedo, ainda no frio agradável da manhã e ir à escola era uma das paixões da maioria das crianças da minha época, ou pelo menos boa parte da rotina de uma criança do interior. Concluídas as obrigações escolares, pouco restava de entretenimento numa cidade sem maiores atrativos, portanto, era nas brincadeiras de rua que a diversão da galera tinha seu espaço.

Futebol matinal

Entre uma partida e outra de futebol, íamos para casa torcer pelos nossos times de coração e, com a mesma dedicação das outras paixões, planejar estratégias do próximo campeonato. Isso mesmo caro leitor, estratégias para o campeonato de futebol da cidade. Não quero dizer que sonhávamos em ser técnicos ao invés de jogadores. Refiro-me aos lendários campeonatos de futebol nos campos virtuais.

O fascínio por esse esporte no Brasil transcende as quatro linhas do campo. Somos treinadores, comentaristas, jogadores excepcionais e, para a juventude das eras 16-bit e 32-bit, apaixonados por International Superstar Soccer e, posteriormente, Winning Eleven.

Bastava entrar numa das saudosas locadoras de games para se deparar com quase todas as telas de TV em verde incandescente. A paixão pelas partidas virtuais era imensa, gerando rivalidades, idolatrias e disputas consideradas épicas até hoje, quase 20 anos depois.

Templo do futebol

Quem cresceu lendo antigas revistas de games e conheceu seus melhores amigos entre Super Nintendos e PlayStations nas locadoras da vida, sabe que lá os jovens habitavam um mundo próprio, com regras, valores e prioridades específicas.

Unindo as duas atividades preferidas desse público (games e jogatina), as locadoras foram, por muito tempo, palco de campeonatos marcantes, movimentando toda a comunidade gamer local para essas acirradas disputas.

Os primeiros campeonatos na minha pequena cidade começaram quando o cartucho de International Superstar Soccer chegou direto do Paraguai pelas mãos do nosso herói da época: Tadeu, o dono da locadora, que viajava frequentemente para a fronteira com um vizinho sul-americano em busca de novidades.

Deste momento em diante, o título dominou aluguéis e jogatinas multiplayer, gerando intrigas e principalmente, muita zoação. Foi preciso, insclusive, comprar várias cópias do game para atender à alta demanda.

Era impossível esquecer a icônica narração dos gols, impedimentos, cartões e tudo mais. Eram cinco ou até oito televisores de tubo, 14 polegadas cada, ligados ao mesmo tempo em disputas pelos campos eletrônicos.

Nova realidade

Não tardou até as disputas se intensificarem, virando partidas de “quem perder paga”. As rivalidades, zoações, histórias e enfrentamentos inesquecíveis subiriam para um novo patamar. Estava decretado o surgimento dos primeiros campeonatos de jogos eletrônicos da cidade. Não poderia ser melhor, unir as duas maiores paixões juvenis, agora pelo prêmio “oficial” do melhor da locadora.

Os campeonatos paravam as locadoras. O clima era de Copa do Mundo. Dezenas de meninos passavam o mês praticando, pois o evento era anunciado com certa antecedência. Dias de treino, ensaiar jogadas, estudar dicas das revistas gastando toda a mesada e até uma parte do salário, eram regras do período pré-campeonato.

Quando o grande dia chegava, jogadores de todos os bairros se aglomeravam ao redor das pequenas cadeiras de plástico brancas diante dos consoles. International Superstar Soccer estava ligado em cada SNES do recinto. Parecia um estádio. A torcida apoiando, secando e preenchendo cada espaço daquele improvisado centro de jogatinas.

A tensão era enorme e cada um dava o melhor de si. Foram nesses campeonatos que alguns jogadores viraram lendas nas histórias de locadora que sobrevivem até hoje, além, claro, da consagração do melhor futebolista virtual de todos os tempos, Allejo.

Clima de disputa

Muitos torneios aconteceram ao longo dos anos, mas foi no PlayStation que os gramados poligonais atingiriam o auge da sua magnitude. Winning Eleven superou seu antecessor em popularidade nas locadoras, muito pela própria aceitação e maior frequência do público nesses lugares, tornando-se gradativamente um lugar de socialização da juventude.

Diariamente, em qualquer horário, por vários anos, era possível encontrar jogadores disputando partidas de futebol no console da Sony. Muitos, inclusive, lembram das locadoras unicamente pelos torneios de WE e suas continuações anuais.

O que já era bom, ficou ainda melhor. Os famosos campeonatos amadureciam, ganhavam históricas rivalidades e jogadores muito mais profissionais. Anos de treinamento e partidas diárias criaram verdadeiros monstros do futebol virtual.

As locadoras, por sua vez, acompanharam essa melhora e “profissionalizaram” os torneios, distribuindo prêmios para os vencedores, como medalhas, horas gratuitas, picolés e troféus para os melhores jogadores e campeões.

Novo estágio

O jogo tornava-se mais real. Saíam os craques fictícios e ganhavam vida nossos ídolos dos campos reais. Se já era uma experiência marcante controlar Allejo, imagine só poder guiar Ronaldo, Zidane, Roberto Carlos, Davids, Seedorf, Romário, e outros craques e times — com escalações atualizadas e uniformes fielmente representados.

Cada um usava sua seleção e jogadores favoritos, ídolos e, por que não, a si mesmo, já que podíamos criar nosso próprio personagem. Os pequenos jogadores tridimensionais fizeram sucesso por anos e os campeonatos eram considerados Copas do Mundo para a cidade.

Mesmo nunca tendo passado da primeira fase dessas disputas, as lembranças dos torneios voltam sempre que penso nas alegrias que os videogames e amigos que fiz nos tempos de locadora me proporcionaram.

Foi uma época inesquecível, de muitas amizades feitas (e desfeitas também), horas de diversão e várias histórias e partidas para contar. Esse é um caso onde os jogos podem fazer parte da vida social e formação pessoal de uma geração, que cresceu longe de vícios maléficos e teve a sorte de interagir com seus iguais.

Saudade

Ficam as lembranças, histórias e feitos de acirradas disputas e momentos marcantes como essas duas pérolas dos videogames. Mesmo não tendo sido um bom jogador de futebol virtual, tudo aquilo permanece claro e sólido na lembrança do jovem que jamais abandonou os joysticks da vida nessa caminhada. Os mais verdadeiros e fiéis amigos que tenho são desse tempo, do tempo da locadora, de sair pra jogar uma boa partida de International ou Winning Elleven.


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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