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Entrevistamos Ana Ribeiro (desenvolvedora de Pixel Ripped 1989)

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Uma das maiores atrações da BGS 2017 foi o jogo de realidade virtual Pixel Ripped, que se destacou em vários quesitos: originalidade, inovação tecnológica, qualidade gráfica, diversão e, principalmente, nostalgia. Nele, a pequena estudante Nicola pretende saciar sua sede por jogos eletrônicos em seu console portátil. Detalhe: ela quer fazer isso dentro da sala de aula!

Durante a BGS, conversamos rapidamente com Ana Ribeiro, a desenvolvedora de Pixel Ripped e pioneira em desenvolvimento de jogos de realidade virtual no Brasil, tendo a oportunidade de conhecer a ponta do iceberg de seu projeto. Agora ela nos revela maiores detalhes de sua obra-prima e de sua vida gamer em um papo super descontraído.

Sabiam que ela também é pioneira em pular o muro da escola? Confira esse e outros detalhes nesta entrevista recheada de superação e nostalgia:

AR – Ana Ribeiro

JV – Jogo Véio

Ana Ribeiro foi a primeira mulher a falar sobre jogos em um evento TEDx.

JV: Ana, poderia fazer uma breve apresentação para o pessoal que ainda não conhece seu trabalho?

AR: Sou uma nordestina cabra da peste nascida no Maranhão em 1983, criadora do Pixel Ripped e, não vou afirmar isso, mas dizem que eu sou a primeira brasileira a fazer um jogo de realidade virtual.

Falando um pouco sobre revistas de jogos, no Pixel Ripped temos algumas referências. Na mesa da personagem principal tem uma Nintendo Strategy Guide, só que no título está escrito “Nem Entendo”. É uma referência às revistas da época. Naquela época não tinha internet, então o pessoal tinha que ler revista pra aprender a jogar. É bem legal o que vocês estão fazendo, trazendo de volta essa coisa dos anos 80.

JV: Muito obrigado. Você é jogadora também ou só desenvolve?

AR: Eu comecei mesmo jogando. Desde que me entendo por gente eu jogo videogame. Tenho três irmãos e venho de uma família com muitos meninos – uns nove primos. Sou de 83, então o primeiro videogame lá em casa era o Magnavox Odissey 2. A gente teve Atari, Phantom System, Nintendinho, Mega Drive, Master System. Toda essa fase eu peguei. Os jogos sempre fizeram parte dos melhores momentos da minha vida, mas nunca tinha pensado nisso como uma profissão até uns sete anos atrás. Hoje eu trabalho com isso.

Eu jogo até hoje, mas quando você começa a trabalhar com jogos não tem muito tempo pra jogar. Meus irmãos me chamam pra jogar Gears of War, mas quem disse que dá tempo? Esses dias joguei Zelda no Switch enquanto estava no avião. Fallout 4 eu tenho baixado no meu computador, mas não joguei ainda. Isso me mata do coração! Mas sempre que tenho um tempinho eu jogo.

JV: Que legal! É interessante comentar isso porque vejo muito o pessoal mais novo falando sobre criar jogos como se fosse tão legal quanto jogar. Mas quando eles se deparam com a parte de codificação, design, animação e composição, percebem que não é tão divertido e acabam desanimando.

AR: Exato. São coisas bem diferentes. Não necessariamente quem gosta de jogar vai gostar de fazer jogo. Hoje eu trocaria uma noite jogando por uma desenvolvendo. Gosto dos dois, mas acho que minha atenção fica mais presa quando estou criando jogos.

JV: Você é formada em psicologia, certo?

AR: Sim.

JV: E chegou a trabalhar nessa área?

AR: Não cheguei a trabalhar na área. Quando fazia estágio, a mãe do meu primeiro cliente disse que o problema dele era o vício em videogames. Aí o menino me disse que o jogo que ele mais jogava era Counter-Strike. Na época eu treinava Counter-Strike profissionalmente (risos). Eu tinha um time feminino e a gente era patrocinado pela lan house. E quando a gente treinava era uma gritaria. Jogo de CS você imagina, né? Pessoal gritando “na faca”, “mata”. E numa dessas lá vem o menino:

– Olha pai, essa é minha psicóloga!

Quando eu virei eles estavam atrás de mim (risos).

Mas não foi por isso que eu larguei a área. Quando eu estava no curso passei em um concurso para o Tribunal de Justiça. Me chamaram exatamente quando estava me formando. Fui pra lá e fiquei 5 anos trabalhando como Técnica Judiciária. Acabei não exercendo a psicologia, o que também não tinha muito a ver comigo. Mas todo conhecimento é válido, e isso acabou servindo para o meu mestrado em videogames. Fiz o mestrado na Inglaterra. Eles estavam atrás de pessoas com cursos diferentes – tinha filósofo, arquiteto. O fato de eu ser psicóloga ajudou. Acabei conseguindo a vaga no mestrado em game design.

Filosofando com a Ana #1

A vida é boa quando a gente está constantemente aprendendo”.

JV: Muita gente aqui no Brasil busca essa estabilidade financeira de um emprego público como o que você tinha. Como surgiu essa decisão de largar o cartório pra pular de cabeça nos games?

AR: Aquilo estava me matando por dentro. Ficar indo para aquele cartório onde eu não conseguia usar minha criatividade pra nada, nem mesmo pra mudar as fontes. Os documentos que a gente utilizava eram todos prontos. Nâo podia mudar nem a fonte (eu queria tanto!). Tinha que ser Times New Roman. Eu usava minha criatividade trocando as etiquetas das caixas dos processos (risos).

Eu precisava de uma fuga daquilo ali. Levei umas empadinhas para uns amigos e eles gostaram demais. Aí eles ficaram pedindo pra eu levar mais. Eu falava que não dava, mas eles insistiam, dizendo que comprariam. Comecei a vender empada no cartório. O pessoal do cartório do lado disse pra levar pra eles também. Quando percebi estava levando uma mala com 200, ou até mesmo 300 empadas. Em três meses esse negócio cresceu de um jeito que eu tive que mudar o horário de trabalho só para vender as empadas. Vendia 4000 por mês. Comprei meu carro, contratei duas funcionárias para me ajudar, construí uma cozinha industrial, tinha alguns revendedores. Quando percebi estava só administrando o negócio. Ganhava o dobro do salário do cartório, então acabei largando aquilo.

Depois eu resolvi fazer um curso chamado Empretec no Sebrae. Ele é muito bom, e foi lá que eu vi que estava no lugar errado. Perguntaram sobre como eu queria que minha vida estivesse, onde eu queria estar. Eu vi claramente que o que eu gosto é de jogar videogame e nunca tinha feito nada parecido. Parei pra pensar que hoje em dia você realmente pode trabalhar com videogame. Na época eu estava com 27 anos e pensei “rapaz, se eu não fizer isso agora, não farei nunca mais”. A empresa é tipo um filho, então eu ficaria eternamente presa naquele negócio das empadas. Aí eu decidi chutar o pau da barraca mesmo, larguei tudo e fui fazer games.

Todo mundo falou que eu estava doida. Peguei o dinheiro que tinha juntado com as empadas e comprei um curso de programação em games na Inglaterra. Fiquei um ano lá. O curso era em C++, era bem hardcore! Você aprendia a fazer sua própria engine. Fiz esse primeiro curso e o diretor viu que eu era mais designer que programadora, então me indicou outro curso. Foi aí que fui fazer o mestrado. Lá foram dois anos aprendendo Unity, Photoshop, 3DS Max. No segundo ano do curso você tinha que fazer um jogo, e foi aí que surgiu o Pixel Ripped. Foi o meu primeiro jogo, que era projeto final desse mestrado.

Era um projeto universitário. Ainda sou iniciante. Estou todo dia aprendendo bastante!

JV: Que legal! Mas seu jogo está fantástico. Não parece coisa de iniciante.

AR: Acho que a experiência com as empadas ajudou bastante.

Filosofando com a Ana #2

Fazer jogo é igual fazer comida: você tem que ficar provando toda hora”.

AR: Afinal, o objetivo é que a pessoa que vai jogar fique feliz, e não você (risos).

JV: Você comentou que seu jogo possui várias referências. Uma coisa que estamos curiosos pra saber é se existe alguma similaridade entre você e a personagem principal do jogo – a Nicola, que fica tocando o terror na sala de aula.

AR: Nossa (risos)! Eu converso com minhas amigas da época de escola e elas dizem:

– Que saudade! Foi a melhor época da minha vida.

Eu penso que foi a pior (risos). Tinha que acordar às 6 da manhã pra ir à força pra um lugar que parecia uma prisão. Sou totalmente contra esse sistema educacional. Eu acho que não funciona. Mas realmente eu não era boa aluna. Fui a primeira menina a pular o muro da escola! O diretor ficou muito decepcionado. Ele chegou pra mim e disse:

– É um absurdo! Uma vergonha! É a primeira vez na história desse colégio que uma menina pula o muro!

E eu por dentro estava pensando “YEAAAH!! Que orgulho! Sou a primeira a fugir disso!” (risos). O mais engraçado é que eles me chamaram pra dar uma palestra lá, que agora é uma universidade. Fiquei pensando que era melhor não ir (risos). Eles não têm noção do que é o jogo, porque querendo ou não isso me influenciou muito. Não tenho memórias boas daquele lugar, a não ser das vezes que matei aula, ou dos meus amigos mesmo.

JV: Caramba! Essa é uma revelação e tanto (risos).

AR: Quando a gente é criança fica com vergonha de dizer, mas hoje em dia, refletindo um pouco, eu faria a mesma coisa se voltasse à minha infância. Aliás, eu acho que nem iria. Conversaria com meus pais ou bateria o pé e falaria “eu não vou!”.

Mas depois, quando fui fazer universidade, eu era uma das melhores alunas. Até mesmo quando fui estudar para o concurso. Acho que o problema foi que não me identifiquei com aquele colégio mesmo. Por exemplo, o professor de história ficava mandando a gente decorar datas. Fui ter um professor de história de verdade após vários anos quando fiz cursinho e percebi que aprender história é ótimo!

No jogo é isso: é uma professora totalmente sem noção, dando uma aula péssima. A gente brinca um pouco com isso. Todo mundo já deve ter passado por essa situação, talvez não com uma escola tão ruim, mas com certeza já teve um professor fraco e queria fazer qualquer outra coisa, menos assistir a aula. O pessoal se identifica bastante. Todo mundo já teve um professor chato, muitos já jogaram videogame na escola. Quando eu coloco um pouco da minha vida ali o pessoal se identifica.

JV: Que legal. O pessoal se identifica mesmo com esse tipo de coisa. Nosso sistema educacional infelizmente possui muitas falhas e muitos de nós aprontamos muito na escola.

AR: Parece sistema de prisão. Você tem hora certa pra ir tomar sol – o recreio-, tem hora certa pra ir no banheiro. Uma vez eu fiz xixi nas calças nesse colégio (risos). São umas coisas arcaicas. Eu lembro que tinha que entrar com um cartãozinho. Eles controlavam quem entrava e saía. Os muros tinham uns três metros e tinham até arame farpado. Realmente, tenho muito orgulho de ter pulado aquele muro (risos). Parecia aquele clipe do Pink Floyd. Eu me identificava demais.

Rapaz, teve uma vez que eu cortei meu braço descendo as escadas. Tenho a marca até hoje. Tinha um azulejo solto na parede e eu me cortei. Não me deixaram ir para casa. Meu braço ficou pingando sangue na sala de aula. Botaram um algodão com álcool e começou a sangrar ainda mais. (risos)

Eu matei aula quando ainda estava no Jardim. Acho que tinha uns 5 anos. Tinha uma porta que levava pro recreio das crianças mais velhas, aí eu fugi da sala (risos). Saí correndo pensando “AAAH, ESTOU LIVRE!” (risos). Os meninos todos do primário com uma farda azul e só eu lá de farda vermelha.

Isso aí vai para outro capítulo do Pixel Ripped. Agora tem uma parte na entrada do jogo mostrando uma ficha de quantas vezes a Nicola foi para a detenção. Lá eu vou colocar “primeira garota a pular o muro do colégio” (risos). Mas tudo isso é só referência. Ela é uma garota que mora na Inglaterra. É que tem algumas coisas na nossa vida que a gente acaba colocando.

JV: Não posso deixar de fazer essa pergunta: você prefere Mega Drive ou Super Nintendo?

AR: (risos) Olha, pensando bem, sempre disse que meu videogame favorito era o Phantom System. Depois fui descobrir que ele só existia no Brasil, era um clone do Nintendinho mas tinha o controle do Mega Drive. Acho que o Phantom System ganha a briga.

JV: Não pode fugir do assunto. Tem que escolher um dos dois!

AR: (risos) Olha, na época eu diria Mega Drive. Tive um Phantom System, depois um Mega Drive e só depois fui ter um Super Nintendo, então eu falava que o Mega Drive era melhor. Hoje eu responderia Super Nintendo.

Eu jogava tanto Sonic e Altered Beast. Lembro que quando joguei Altered Beast pela primeira vez fiquei pensando “NOOOOOSSA!”. Fiquei meio mind blowing. Foi a mesma sensação que tive quando testei a realidade virtual pela primeira vez. Pensava que não poderia ficar melhor que aquilo, que o videogame alcançou o limite da tecnologia. Lembro do cara falando “power-up”! (risos). Era incrível!

Meu vizinho tinha um Super Nintendo e era a maior briga. “Mega Drive é melhor!!!”. Mas hoje em dia os jogos que eu jogo mais são do Nintendo. Então vou ficar com o Super Nintendo.

JV: Pra finalizar, qual é a previsão de lançamento do Pixel Ripped?

AR: O plano é lançar no começo do ano que vem. Vai sair o filme do Steven Spielberg, Ready Player One, e planejamos lançar o Pixel Ripped bem próximo. Estamos dando aquele polimento final.

JV: Muito obrigado pela entrevista! Foi um prazer conversar com você! Estaremos ansiosos esperando pelo lançamento do jogo!

E para quem quiser saber mais sobre Pixel Ripped 1989, siga-os no Facebook e adicione o jogo na sua lista de favoritos da Steam:


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Lucas Rodrigues

Lucas Rodrigues

Gamer desde que tem memórias de sua infância, a paixão pelos videogames iniciou-se no Mega Drive e teve seu ápice no PS1 com os JRPGs (a franquia Final Fantasy foi a protagonista). Trabalha como analista de sistemas e designer de jogos. Possui mestrado em Imagem e Som em andamento pela Universidade Federal de São Carlos, onde desenvolve pesquisas sobre o mercado independente de jogos brasileiros. Sempre escolheu o Squirtle como pokémon inicial e possui alinhamento Neutral Good.

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