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Um apaixonado pelos gramados virtuais

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Ah, as locadoras de videogames, quantas histórias. Velhos e bons tempos aqueles em que os amigos se reuniam no templo da diversão juvenil dos anos de 1990. Crescemos e acompanhamos lá os avanços tecnológicos de uma década inteira com cada geração de consoles lançada.

Foi justamente na locadora que vimos o mundo ser representado em três dimensões, o som atingir a qualidade de CD, os consoles deixando de ser apenas uma plataforma de jogo e até os controles se encherem de novas funcionalidades. Pois bem, essa é uma pequena história de um garotinho que sentiu na pele as transformações dos videogames durante a transição para a era dos consoles de 32 bits, enquanto curtia uma boa partida de futebol virtual.

Nova fase

Quando as primeiras locadoras de games surgiram na pequena São José do Seridó, interior do RN, lá por volta de 1994, estavam equipadas com o que existia de mais moderno da geração de 16-bit. Mega Drive e Super Nintendo espalhavam-se pelas bancadas do novo ponto de encontro dos jovens. Contudo, foi na segunda metade dessa década, três ou quatro anos após seu início, que essas casas de jogos atingiram o auge com a geração seguinte de consoles, principalmente graças ao primeiro videogame da Sony.

O PlayStation foi o favorito da maioria dos novos jogadores que se formavam com a popularização das locadoras. Seu controle com mais botões do que os do SNES e Mega fez muito sucesso entre os usuários do espaço, fossem eles homens ou crianças. Contudo, eram os pequenos que faziam a festa com os videogames, resultando em momentos de muita risada e gerando bagunça generalizada, testando assim a paciência dos donos do lugar.

Entre as várias crianças que frequentavam os templos da jogatina juvenil, um menino, chamado Ray, foi um dos que imortalizou algumas das melhores histórias do tempo das locadoras do senhor Tadeu.

Paixão pelos gramados

O pequeno Ray era uma criança com seus quatro ou cinco anos de idade, franzino, sempre sorridente e apaixonado por estar na locadora. Seus outros dois irmãos mais velhos já iam com frequência às locadoras da cidade, sendo acompanhados pelo jovem torcedor que não perdia uma disputa sequer dos irmãos.

Foi torcendo e vivendo naquele ambiente de disputa sadia e divertida que cresceu o jovem menino. Quando começou a entender melhor as coisas, aquele simples acompanhante passou então a querer ser o protagonista das suas próprias disputas virtuais. Com as moedas que seus pais lhe davam de mesada, chegava pulando e sorrindo para o dono do comércio de games colocar os poucos minutos ao console que seu dinheiro dava para curtir com aquele game que tanto lhe animava. Era Futebol o que ele sempre pedia. Não importava qual, apenas que fosse futebol.

Era sempre futebol. Qualquer prata que fosse, a qualquer momento do dia, Ray corria para jogar, independente da versão. Começou arriscando os primeiros passes em International SuperStar Soccer, do SNES. Nele, Jogava com o Brasil, sua segunda maior paixão. Segunda porque o menino era fascinado pelo carequinha que vestia a camisa 9 da seleção que ele pensava ser Ronaldo, quando na verdade era a lenda, Allejo. Ray deslumbrava-se com as cores e os movimentos daquele jogo, que lembrava, em muito, um desenho animado, tamanha beleza gráfica dos campos e jogadores.

Quero ver gol

O problema, porém, era que o menino ainda não dominava bem os comandos do jogo, o que lhe impedia de marcar gols. Não precisa ser nenhum grande aficionado por futebol para saber que a falta de gols numa partida tira o brilho do esporte, e assim, não era diferente nos campos eletrônicos de Ray. Percebendo a tristeza do garoto por não balançar as redes adversárias – o que acabava sempre o levando às lágrimas –, a garotada adotou uma estratégia para que Ray pudesse curtir intensamente seus momentos em campo.

Para isso, alguém que estivesse disponível na locadora jogava com o garoto, fazendo-o entender que controlaria o adversário, quando na verdade controlava o Flamengo, time de coração de Ray. Bastava dizer para o garoto que ele era o Flamengo, que nem reparava que era seu oponente que estava sob controle do seu time de coração.

A diversão estava garantida. Cada lance era motivo de gritos entusiasmados, narrações hilárias e altos xingamentos contra o a mãe do juiz. A locadora vinha a baixo com tantas gargalhadas. Mas o melhor mesmo era na hora dos gols. Cada gol era uma festa do garoto. Bastava a bola encostar na rede que Ray entrava em estágio máximo de loucura.

GOOOOOOOL, DO RAYYYYY, DO MENINO RAYYY. JOGA MUUUITO ESSE MULEQUE. RAY, RAY, RAY, DO BRASIL, SIL, SIL

Era uma loucura! Todos na locadora se jogavam no chão de tanto rir. O menino ficava completamente tomado de felicidade, gritando, pulando e ainda provocando seu oponente, sem imaginar que na verdade era ele próprio que havia tomado aquele gol, ou melhor, aqueles vários gols. Era um festival de bolas no fundo da rede do jovem Ray. Em cada gol era o mesmo entusiasmo.

A realidade do jogo

Com o passar do tempo, novos jogos e consoles surgiam, mais o garoto permanecia fiel à locadora e ao seu game favorito: futebol. Ele já havia feito a transição para os novos jogos de futebol da época. Era completamente apaixonado por Winning Eleven.

Lembro de vê-lo comentar várias vezes como eram reais aqueles jogadores, pareciam verdadeiramente colocados ali, dentro da TV. Agora ele não comparava mais com desenhos animados, suas partidas eram semelhantes ao que ele via em casa, assistindo aos jogos reais nas quartas e domingos. Lá estava Ray, quase todos os dias, jogando com a seleção brasileira ou com o Flamengo.

Certo dia, uma novidade extremamente aguardada chegava à locadora, vindo direto do Paraguai. O novo controle do PlayStation da Sony, o dualshock. A nova função de tremer do joystick fez sucesso entre os jogadores mais antigos, trazendo muito mais imersão aos jogos. Contudo, um jogador precisava testar o novo controle. Ray não demorou para aparecer por lá para servir de teste para os meninos que por lá estavam.

Quando o garoto sentou para jogar, a locadora toda entrou em silêncio para observar a reação dele ao sentir o novo controle. Porém, como ele só jogava futebol, a função rumble só era ativada quando marcado um gol. Mesmo assim não tardou a isso acontecer e presenciamos uma das reações mais sensacionais da locadora do Tadeu.

TADEU, TADEU, TADEU, O CONTROLE TÁ DANDO CHOQUE, TADEU. O RAY TÁ LEVANDO CHOQUE, VOU MORRER, VOU MORRER, TÁ TREMENDO TUDO, É CHOQUE.

Num ato desesperado de medo, em meio a lágrimas, o menino arremessou longe o tão esperado e moderno dualshock, rolando no chão aos prantos, dizendo que morreria com o choque que sofria do controle. Ele surtou completamente, chorava como se tivesse levado uma forte palmada da mãe. Foi uma cena hilária.

Foi um estrondo de risos, muitos ao chão, sem aquentar de tanta gargalhada, com exceção de Tadeu, dono da locadora, preocupado com o estado que o controle arremessado havia ficado após o surto de Ray, mas mesmo assim, contendo as risadinhas no canto da boca com o acontecido. Depois, mais calmos, foram explicar que tudo não passava da nova função do controle da Sony e que ele teria que se acostumar em sentir o controle tremer, pois iria fazer parte da nova geração de todos os consoles seguintes.

Nos gramados virtuais

O tempo das locadoras é uma fonte inesgotável de histórias. Algumas às vezes se perdem na memória, mas outras ressurgem através de encontros, como essa, quando tive a oportunidade de rever o menino Ray em uma manhã de sexta na escola, quando tive o prazer de reencontrá-lo depois de vários anos. Bons tempos…


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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