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Tadeu e a salvação das locadoras de São José do Seridó

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No tempo das antigas locadoras de videogame, os donos do comércio de locação de jogos eram figuras únicas, adoradas e até idolatradas. Mas alguns poucos iam além, tornando-se verdadeiros amigos da garotada, como é o caso de Tadeu, dono de algumas das locadoras mais marcantes da minha vida.

No rancho fundo

Nos primeiros anos da década de 2000, as locadoras da minha querida São José do Seridó/RN passavam por uma pequena crise. Com os jogadores cansados dos mesmo jogos de Super Nintendo e PlayStation, a ausência do PlayStation 2 — que custava uma pequena fortuna ainda —, e sem Tadeu, o dono de locadora que era o maior expoente local dos videogames, o interesse pelos games despencou.

A falta que Tadeu fazia na cidade, aliás, pode ser considerado o principal motivo pele péssima fase das locadoras nessa época. Era ele o maior responsável por reimaginar o comércio gamer quando algo parecia dar errado. Bastavam os primeiros sinais de queda no rendimento, para logo ele inventar alguma coisa inesperada.

Ele produziu os próprios controles arcade no auge dos jogos de luta; vendia as melhores comidas; investia em figurinhas colecionáveis; trazia os lançamentos direto do Paraguai; alugava vários tipos de console; fazia promoções malucas; e passava o dia inteiro contando histórias sobre o seu passado no futebol pernambucano para entreter quem esperava por uma vez de jogar.

O mestre da galera

Tão divertido quanto jogar na locadora do Tadeu, era passar alguns minutos conversando com ele. Com piadas leves e divertidas e infinitos causos para contar, Tadeu conseguia reunir uma multidão de crianças a sua volta, só para ouví-lo falar. Eu, por exemplo, passava em frente a locadora dele todos os dias depois da escola, mesmo sem ter nenhum real no bolso, só para ouvir um “olá, Ítalo”, ou mais uma das suas histórias malucas.

Sabendo que os jogadores gostavam de suas histórias, Tadeu fazia questão de manter um espaço convidativo para os seus clientes. Além de serem, geralmente, no centro da cidade, as locadoras possuiam bancos enormes para a galera sentar e interagir, além de ficarem em lugares de fácil acesso. Era praticamente imposível não se sentir em casa em uma das locadoras dele.

Mas no começo dos anos 2000, o querido dono de locadora deixaria São José do Seridó para morar no Acre, levando ao desespero todos os pouco mais de 400 jogadores da cidade.

Não se vá

Quando Tadeu anunciou a sua ida para o Acre, uma onda de comoção tomou conta dos jogadores de São José. Até abaixo-assinado fizemos para que ele ficasse conosco. Mas não adiantou. O Acre era o seu destino. E, infelizmente, tivemos que mudar de locadora.

Lembro de ter ficado bastante chateado e triste. Parecia que estava me despedindo de um irmão ou de um amigo de infância. O assunto na escola era um só nessa época: como seria jogar videogame sem Tadeu? Como seria na nova locadora?

Sem Tadeu, o comércio de locação de jogos estagnou. Os mesmos consoles. Os mesmo jogos. Os mesmos enroladinhos, paçocas e picolés. Nada novo. Foram anos difíceis para quem gostava de diversão eletrônica em São José do Seridó. Mas essa fase nebulosa não duraria para sempre.

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Com o meu prórpio videogame em casa, alguns amigos que nem jogavam mais, e pouco interesse em frequentar outros espaços de jogatina, eu já começava a imaginar a minha vida sem as locadoras de videogame. Mas, os deuses da diversão virtual ainda reservavam algo especial reservado para mim — e para os gamers da minha cidade.

Em meados de 2003, um recado deixaria a garotada toda em frenesi. Seu Chico, sogro de Tadeu, foi até a escola durante o intervalo só para avisar que naquela noite ele estaria na praça central para dar um recado vindo direto do Acre. Ele nem terminou de falar e a molecada toda gritava enlouquecidamente. Os gritos ecoavam nas salas de aula, ganhando adeptos em todas as turmas. Berramos, em uníssono: TADEU. TADEU. TADEU. TADEU.

Foi impossível assistir ao restante das aulas naquela manhã. Não se falava em outra coisa na escola. Tinha que ser o retorno de Tadeu. Pois alguém precisava salvar as locadoras do fim eminente. E ninguém melhor do que o maior responsável pelo seu sucesso naquela minúscula cidade com quatro mil habitantes.

Nova fase

A noite chegou, e seu Chico foi cercado por uma multidão na praça central. A molecada sentada no chão, como se estivesse ao redor de uma fogueira, esperava atenta pelo tão aguardado recado vindo do Acre. Com uma voz mansa, em um ambiente com poucas luz e um silêncio descomunal, seu Chico disse: “Tadeu mandou avisar que vai voltar, e vem trazendo uma locadora inteiramente nova, cheia de videogames novos, muitos jogos e até computadores. Ele também pediu para vocês esperaram só mais um pouco. Pois ele vai precisar de um novo espaço para tudo isso. Mas garantiu que todos irão se divertir muito.”

Quando a última palavra foi proferida, todos que estavam ali, sentados calmamente, levantaram de uma vez, abraçando-se e comemorando loucamente. Arrisco até a dizer que muitas lágrimas rolaram naquela noite. Era o retorno do nosso ídolo. O rei das locadoras, com tantas novidades que era até difícil lembrar.

O tempo parou

Foram semanas de espera angustiante. A tensão por esse retorno era tão grande, que muitos juravam que tinham visto Tadeu na cidade, de madrugada, levando caixas para o mercado, onde seria a nova locadora. Mas certeza mesmo, ninguém tinha.

A surpresa, contudo, chegou de um jeito inusitado. Inesperadamente, Tadeu apareceu em São José do Seridó, em um sábado de manhã, andando de bicicleta pela rua, convidando todos os amigos para a estreia da sua nova locadora, que seria no domingo.

Fomos a loucura quando o vimos depois de tanto tempo. Crianças começaram a sair de todas as direções, incrédulas, festejando o retorno do velho amigo. Logo uma pequena passeata se formou ao redor de Tadeu. Garotos de bicicleta, outros correndo, e até moleque carregando o irmão menor em uma carroça de mão se juntaram para encorpar o convite pelo retorno de Tadeu.

O inevitável retorno

Dormir naquela sábado foi difícil. Eu ficava imaginando quais seriam os novos consoles da locadora. Se os jogos seriam muito realistas. Como seriam utilizados os computadores. E até que tipo de guloseima venderia por lá. Até o meu dinheiro eu recontei umas 20 vezes, só pra saber quanto tempo eu poderia jogar naquele domingo que, mesmo parecendo tão distante, finalmente chegaria.

Sai de casa cedinho, o dia nem tinha amanhecido ainda. E, para a minha surpresa, uma fila de garotos já havia se formado em frente ao novo ponto da locadora do Tadeu. Alguns estavam na fila desde a noite anterior, mesmo a contragosto dos vigias municipais. Mas foi tudo em nome da felicidade de ter o amigo Tadeu de volta com uma locadora novinha.

Precisei me espremer na fila, onde fiquei por mais de duas horas até, finalmente, Tadeu abrir as portas de sua nova locadora. O espaço era bem apertado, na esquina do mercado público. Mas era mágico. Quando a porta abriu, vimos várias TVs, todas com consoles ligados e rodando os novos jogos.

Para a surpresa de todos. Tadeu tinha trazido três Dreamcasts, um Nintendo 64, dois PlayStations 2, novos jogos de PS1 e até cartuchos de Super Nintendo que nunca havíamos visto até então, como Super Metroid e Bomberman 5. Ah, e os jogos, posso dizer que Sonic Adventure fez o coração da garotada toda disparar.

Um amigo de volta

Tudo era novinho. Videogames, jogos e, claro, os tão comentados computadores com jogos em rede que nunca havíamos jogado antes. Foi uma sensação. Sem falar na loucura que foi quando ele disse que abriria contas do Orkut e do MSN para todos se conectarem com o mundo. Isso sem falar das guloseimas, que tinham tanta variedade quanto os próprios jogos.

Entrar naquela nova locadora foi realmente incrível, principalmente por estarmos vivenciando um momento que parecia ser o fim daquele tipo de comércio na cidade. Poucos acreditavam nessa reviravolta. Mas todos a desejavam intensamente.

A turma estava maravilhada com as novidades. No Dreamcast, Crazy Taxi não parou de ser jogado o dia inteiro. No PS2, GTA causava olhares de espanto com o realismo inigualável e a liberdade de jogatina. O Nintendo 64, infelizmente, eu nem vi, de tão vidrado que eu estava com Super Metroid — que chegava na locadora pela primeira vez. Foi uma grande festa de celebração aos videogames.

Contudo, mais do que grandes jogos e videogames incríveis, o principal motivo por estarmos todos ali, felizes e comemorando, era por causa do retorno de um grande amigo. O senhor Tadeu era adorado por todos os que frequentavam as suas locadoras. Crescemos e nos divertimos ao lado dele, no comércio que ele administrava com tanto esmero, e sob os cuidados de alguém que tratava os clientes como um pai trata um filho.

A magia dos videogames

Obviamente, era indescritível a sensação de ter uma locadora nova na cidade, com tantos consoles e jogos formidáveis para a gente se divertir. Mas era muito mais gratificante ter um velho amigo que fazia de tudo para proporcionar um ambiente saudável e confortável para as crianças da cidade poderem conviver e brincar.

Com o retorno de Tadeu para a cidade e para o ramo dos jogos eletrônicos, as locadoras ganharam sobrevida, tornando-se, novamente, uma modalidade lucrativa de comércio e reinando absolutas como o principal espaço de sociabilidade de São José do Seridó/RN, onde cresci e aprendi a amar os videogames com todas as minhas forças.


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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