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Ah, o Natal. Época do ano de muitas festas, comemorações e, principalmente, presentes. Eu sempre aguardei com muita expectativa as festividades natalinas. Era o momento de ganhar aquele incentivo extra por ter ido bem na escola e por ter sido um bom filho durante o ano — eu sei que era a minha obrigação, mas não custava nada ser premiado, não é? É justamente dessa linda época do ano que guardo uma das minhas melhores lembranças com os videogames.

Não custa nada sonhar

Quando garoto, lá na primeira metade da década de 1990, eu não fazia a menor ideia do real significado do Natal. Se é que eu sei hoje. Mas bastava dezembro se aproximar e os enfeites natalinos tomarem conta da casa, para que eu começasse a pensar nos pedidos que eu faria para a minha mãe.

Anotava todas as ideias numa folhinha colorida, com direito até a ordem de prioridade para a minha mãe saber o que eu mais queria. Tinha de quase tudo. Um boneco dos Cavaleiros do Zodíaco, uma bola igual a da Copa do Mundo, uma camisa oficial do meu time de coração, um videocassete para gravar os desenhos, uma mesa de futebol de botão e uma espada de verdade para lutar com os meus irmãos — sorte deles que eu nunca ganhei essa espada.

Eu sempre colocava as coisas mais absurdas na minha lista dos desejos. Mas, tinha algo que era tão surreal para mim, que nem sonhar com ele eu consegui. Era um videogame.

Três é demais

Embora eu achasse normal pedir uma espada para a minha mãe, eu sempre acreditei que um videogame era algo totalmente fora da realidade para as pessoas “normais”. Ninguém que eu conhecia tinha um console em casa — nem uma espada, é verdade. Os games eram exclusividade das locadoras aqui na minha cidade. E lá, nos templos da diversão, sempre ouvíamos que eles eram extremamente caros e raros. E, numa casa com três filhos, presentes caros e raros estavam fora de cogitação.

Era impossível para os meus pais comprarem um boneco oficial dos Cavaleiros do Zodíaco para cada um dos três filhos. Quem dera um videogame. Se pedíssemos um boneco caro, o valor de apenas um tinha que ser divido por três, o que resultava na compra de três bonequinhos mais simples, dos que vendiam na feira com as armaduras de plástico ao invés dos imponentes cavaleiros com armaduras de ferro.

Sabendo do risco de um dos três pedir um videogame e a minha mãe comprar três minigames com 999999 jogos, sempre deixávamos o item fora da lista. Porém, devido à inocência da idade, e principalmente a ganância de cada um dos três querer um presente diferente, nunca tínhamos pensado que poderíamos usar essa lógica de forma inversa. Foi então que no Natal de 1999 tudo mudou.

Chega, Noel

O plano era infalível. Meus dois irmãos e eu nos preparamos durante todo o ano de 1999 para recebermos nota 10 como alunos e filhos. Combinamos de estudar para valer na escola, de diminuir as confusões em casa, de ajudar nos afazeres domésticos, e atender qualquer pedido feito pelos nossos pais, fosse para levantar e trocar de canal no receptor analógico, ou ir ao centro da cidade dizer um recado (bons tempos sem telefone). Seríamos quase anjos. Tudo isso para ter argumento suficiente para, enfim, pedir o presente supremo.

Foi duro ser “bonzinho” durante o ano todo. Mas a parte mais difícil mesmo foi evitar as desavenças entre os três. Quem tem irmão sabe que existem momentos nos quais a confusão é inevitável. Durante as jogatinas na locadora, bastava um fazer alguma jogada mal feita, como explodir o outro no Bombermam, para os ânimos se aflorarem. Aí era respirar e lembrar que dezembro chegaria em breve. Só assim para evitar um xingamento e umas mãozadas — sempre de leve, viu? Vai que um dia os meus filhos leiam essas histórias.

Em casa era a mesma coisa. Brincando com os bonecos, as vezes a gente soltava alguns “golpes” mais fortes no brinquedo do outro que quebrava uma armadura, descolava uma peça ou acertava “sem querer” o rosto do irmão. Quando isso acontecia, as encaradas começavam, as ameaças engrossavam e, quase na hora da pancadaria, o outro irmão que não fazia parte da confusão pulava entre os outros dois pra lembrar do trato de paz em prol do pedido de Natal. Foram meses intensos. Mas dezembro não tardaria a chegar.

O Natal dos sonhos

A casa estava toda enfeitada para o Natal. Pisca-piscas enroscados em todos os cantos, uma árvore de Natal na sala, logo onde ficava a rede que disputávamos na tapa, festões e até umas “correntes” douradas penduradas nas portas. A casa ficava realmente linda. Toda essa ornamentação só fazia o mês de dezembro ser ainda mais especial.

Em julho mesmo eu e meus irmãos já ventilávamos a ideia do videogame para os nossos pais. Bastava a gente sair pra jogar na locadora para um dos três dizer: “se a gente tivesse um videogame em casa não precisava ficar gastando na locadora…”. E em dezembro então, as sugestões discretas eram quase diárias. “Poxa, mãe, se tivesse um videogame em casa a gente estava bem quietinho, só jogando”, eu dizia quando estávamos bagunçando a casa que ela tinha acabado de arrumar.

Meus pais, porém, não davam o menor sinal de que um dia haviam cogitado a possibilidade de comprar um videogame de presente, deixando meus irmãos e eu completamente aflitos. Será que todo o esforço de um ano inteiro de bondade teria sido em vão?

A resposta para tantos questionamentos veio, finalmente, na noite de 24 de dezembro de 1999. Era uma noite fria, havia serenado a tarde inteira. A casa estava impecavelmente bonita, toda iluminada pelas luzes da árvore de Natal e dos pisca-piscas na sala. A comida na mesa tinha um cheiro formidável. E enquanto aquela noite mágica já parecia ser surreal para mim, o meu pai chegava em casa com um embrulho enorme, pesado e bastante familiar. “Será que ele tinha mesmo realizado os nossos sonhos?” Eu me perguntava mentalmente sem parar.

Papai Noel existe!

O sonho parecia realmente ser real. Eu olhava para os meus irmãos e dizia: “só tem uma caixa. Tem que ser isso. Tem que ser”. A euforia foi crescendo, crescendo, até o ponto de que nem os meus pais conseguiam mais segurar os sorrisos.

“Pronto, meninos, aqui está o presente de vocês. Talvez não seja o que vocês queriam, mas é tudo o que conseguimos comprar”, disse o meu pai, sem conseguir parar de sorrir. E antes dele entregar a caixa, ele encerrou o breve discurso dizendo: “eu espero que vocês cuidem bem disso, pois fizemos um esforço enorme para comprar. Sabemos que vocês deram duro o ano todo fingindo bondade, estudando pra valer, e inventando que estavam auxiliando em casa. Mas, melhor do que isso foi ver vocês três tão unidos durante esse ano todo. Ah, e só mais uma coisa. Eu não quero ver ninguém me pedindo dinheiro pra jogar na locadora”.

Antes mesmo de meu pai encerrar a última frase, corremos feito loucos em direção a caixa. Tinha que ser. Ele tinha acabado de entregar o mistério com o discurso. Desse momento em diante, lembro de pouca coisa em detalhes. Não sei se rolei no chão, se chorei, se gritei, ou se fiz tudo isso ao mesmo. O que sei é que rasgamos com tanta força a sacola, que até a caixa do presente ficou em pedaços.

O que não ficou em destroços foi o lindo PlayStation, todo cinza e grandão, que acabávamos de ganhar de Natal. Foi uma euforia descomunal. Uma alegria imensurável. “Um PS, um PS”, gritava o meu irmão mais novo. “É igual ao da Locadora, mãe, Igualzinho”, não parava de repetir o meu outro irmão.

Eterno

Que dia inesquecível. Natal? Esquecemos até da sobremesa, pois pegamos o PlayStation e corremos para a sala. Lá, instalamos o videogame e passamos horas e mais horas jogando sem parar. Aos poucos, ficávamos nos lembrando das brigas evitadas, do esforço extra na escola, das centenas de favores feitos. Mas tudo tinha valido a pena. Tínhamos um PlayStation.

No canto da sala, meus pais assistiam aos três filhos se divertirem, felizes com o brinquedo novo. Mas logo o meu pai teria o seu primeiro arrependimento, pois quando zeramos o único jogo que veio no videogame, olhei pra ele e disse: “Pai, preciso de dinheiro pra alugar jogo na locadora. Já zeramos o que você nós deu. Ah, e o pior é que o aluguel de um CD é mais caro do que a hora para jogar lá”.

A única coisa que lembre depois disso é ele ter respondido assim: “nãaaaaaaaaoooooooo!!!”


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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