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Em uma época de animosidade entre as duas maiores empresas especializadas em jogos eletrônicos no mundo, era comum escolher um lado dessa briga para chamar de seu. E comigo não foi diferente. Do lado dos defensores do Super Nintendo, enfrentei os moderninhos fãs do Mega Drive em discussões acaloradas — algumas um pouco mais violentas, aliás — na locadora e, principalmente, na escola. Foram tempos de tensão, mas que marcaram momentos bem divertidos e inesquecíveis.

Anos dourados

Já estávamos na segunda metade da década de 1990 e o PlayStation da Sony marcava presença nas locadoras. Porém, como qualquer coisa em uma cidade de interior, tudo demorava muito para chegar por aqui. Sendo assim, o mesmo aconteceu com a famosa Guerra dos Consoles, disputa protagonizada pela Nintendo e pela Sega em busca da hegemonia do mercado de games no início da década de 1990.

Enquanto a Sega ganhava espaço no coração dos jogadores com o “excelente” Mega Drive, a Nintendo apressava-se para lançar o Super Nintendo e recuperar o espaço perdido desde que o 16-bit da Sega trouxe novas experiências de jogo.

Aquela foi uma época bastante produtiva para o mercado de games, com títulos de extrema qualidade sendo lançados numa velocidade absurda e tirando o máximo proveito das características de cada console. Mario e Sonic, por exemplo, estrelavam um clássico atrás do outro.

Corrida pelo sucesso

Essa guerra dos 16-bit foi uma verdadeira corrida rumo ao sucesso. Cada empresa investia em propagandas desdenhando a sua rival. Elas exploravam novas tecnologias, acessórios e tudo o que pudesse fazer o seu console parecer melhor do que o do outro. E essa rivalidade refletia nos jogadores, seja qual for o lugar do mundo em que eles estivessem.

No Brasil, essa divisão entre Nintendo e Sega já começava nas próprias publicações especializadas em videogames. No início da década de 1990, duas das principais revistas da época eram focadas em apenas uma das empresas.

De um lado, a SuperGame falava exclusivamente da Sega, enquanto que do outro, a GamePower era Nintendo ou nada. Com isso, os leitores dessas revistas acabavam se identificando com aquela única marca e, por conseguinte, defendiam-na como as cores de seu time. Foi assim comigo.

Meu primeiro time

Quando comecei a jogar videogames, com meus quatro anos de idade, tive o privilégio de começar justamente pelo maior clássico do Super Nintendo: o atemporal Super Mario World. Foi amor à primeira jogada. Logo, Mario já se tornava um dos meus maiores companheiros de jogatina. Para completar, como o jogo era repleto de segredos, alguns deles eu só consegui encontrar anos depois com a ajuda das revistas. E uma delas era justamente a GamePower.

Comecei lendo sobre os segredos de Super Mario World e logo passei a me interessar por lançamentos, prévias e detonados. Quando reparei, eu já sabia de tudo — pelo menos era o que eu achava na época — sobre Super Nintendo e tudo que envolvesse o universo da Nintendo. E como a publicação falava bastante dessa rivalidade com a Sega, eu acabei absorvendo o discurso e me tornei um verdadeiro defensor da empresa, principalmente na locadora.

Nessa locadora que eu costumava jogar Super Mario World também tinha Mega Drive. Com os dois consoles ocupando o mesmo espaço, era inevitável que surgissem conversas entre os jogadores querendo explicar as diferenças técnicas — sim, pensávamos que éramos especialistas — entre os dois videogames, seus jogos e o desempenho de cada um.

Incontáveis foram às vezes em que colocamos lado a lado um mesmo jogo disponível para os dois consoles, apenas para tentar encontrar um pixel a mais, um efeito de som diferente, uma quebra de quadros ou um slowdown. E com tudo isso rolando, o clima esquentava.

Clima de arquibancada

A galera ia fundo nas discussões. Mesmo sendo crianças, comentavam sobre quantidade de cores, camadas de sprites, rotação de tela, efeitos sonoros, gráficos, etc. E, como nas rodas de conversa de futebol, todo mundo queria estar com a razão.

Os nintendistas diziam: “Temos mais cores e um som quase igual ao de um CD”. Os seguistas rebatiam: “Temos muito mais velocidade e desempenho”. “Mario tem dezenas de fases e os nossos RPGs são colossais”, gritavam os donos de Super Nintendo. “Nosso Sonic fritaria o seu console com tanta velocidade e ainda temos sangue em Mortal Kombat e Michael Jackson só dança para a gente”, esbravejavam os poucos proprietários de um Mega Drive. Era um vai e vem de argumentos sem fim.

Como um bom bate boca que se preze, a discussões na locadora aos poucos se tornavam mais intensas, terminando, acreditem, em gritarias, xingamentos, ameaças, intrigas e, depois de tudo isso, muita risada e jogatina.

Era como na famosa Guerra Fria, quando Estados Unidos e URSS viviam de ameaças e conflitos no campo das ideias. Mas, nem sempre as nossas “batalhas” eram tão tranquilas assim, principalmente quando existia tanta paixão envolvida.

Round 1

Como na locadora sempre tínhamos o dono para evitar que encarnássemos Mario e Sonic e saíssemos na porrada, nunca tivemos a sorte de colocar as nossas diferenças à prova em um Super Smash Bros. da vida real. Não na locadora. Mas, na escola a situação era bem diferente.

Quando o sinal tocava para o recreio, a turma da locadora era a primeira a correr para pegar a merenda e sentar na pracinha a fim de discutir os últimos lançamentos, os jogos do momento, os rumores e, é claro, as divergências entre Nintendo e Sega.

“O meu Aladdin carrega uma espada enquanto o seu atira maçãs”, dizia o meu colega que tinha acabado de ganhar um Mega Drive do pai. Eu ficava furioso, pois os fãs da Sega faziam questão de atenuar o lado infantil da Nintendo. Eu ficava realmente incomodado, pois, quando você está crescendo, a última coisa que você quer é ser chamado de criança.

Eu sempre rebatia essas alegações de infantilidade dos jogos da Nintendo com argumentos sobre os aspectos técnicos dos jogos e do console, como os poligonais gráficos de Star Fox e os efeitos visuais de Yoshi’s Island. Mas a onda de ataques nunca parava.

Round 2

A rivalidade era tanta, que eu me recusava a entrar na locadora que tivesse Mega Drive. Chegou a um ponto em que eu me recusava até a me vestir de preto, pois quando usava roupas dessa cor, os meninos gritavam: “Tá vestido de Mega. Esse é nosso”. Jogar no Mega Drive, então, nem pensar.

Só jogava no Super Nintendo. Até para ler algo sobre a Sega eu demonstrava dificuldades — pulava as páginas com análises de jogos de Mega Drive —, tanto é que eu sofri um baita golpe quando a SuperGame se fundiu com a GamePower, dando origem à revista Super GamePower e falando de todos os consoles.

Voltando à escola, teve um dia que foi realmente marcante. Eu e os meus amigos, fãs da Nintendo e da Sega, já tínhamos passado a noite anterior inteira em calorosas discussões sobre a qualidade de Street Fighter II nos dois consoles 16-bit.

Tinha acabado de chegar a versão de Mega na locadora e não se falava em outra coisa: todos diziam que era melhor que a do Super Nintendo. Com isso, os ânimos de todos estavam à flor da pele. Era o ápice da batalha, pois Street Fighter II era um dos maiores e mais conceituados lançamentos da geração.

Fatality

Gráficos melhores, maior resolução, mais velocidade. Os seguistas não paravam de repetir as qualidades do cartuchinho preto de um dos maiores jogos de luta da época. Foi uma noite inteira de provações, estendendo-se com ainda mais voracidade para a escola no dia seguinte.

Nesse dia, nem fomos atrás da merenda. Mal o som do toque ecoou pelos corredores e já estávamos discutindo bem alto. “Seu som é horrível”, eu já gritava de dentro da minha sala. “Não escuto nenhuma palavra que sai da boca do seu personagem”, eu comentava com outro seguista da sala ao lado. E assim foi se formando uma rodinha de jogadores que comentavam sobre cada detalhe de Street Figther II.

Um dizia que o vermelho da roupa do Ken era mais vivo no Super Nintendo. Enquanto outro dizia que a tromba do elefante na fase do Dhalsim travava de tão lento. Outro dizia ver um brilho mais bonito dos especiais do SNES, enquanto outro retrucava que as cores eram muito mais suaves no Mega. E a coisa toda foi tomando proporções gigantescas, saindo do controle. Quando nos demos conta do resultado, já estava feito um círculo de curiosos em volta da nossa turma.

Aí, já viu. Alguém de fora dizia: “Ah, tá tirando onda com a sua cara”; “Não, eu não aceitava esse desaforo”; “Nossa, tão chateando a sua mãe”. E em seguida, timidamente, começaram os primeiros gritinhos: “Briga, briga, briga”. Os gritos foram crescendo, crescendo. Até que o meu último argumento foi: “O olho do Ryu pisca quando ele tá parado no Super Nintendo”. E um garoto bem maior já foi dizendo: “E o seu não vai piscar nunca mais”.

 

Nisso, levei um baita soco no olho. Quase indo a nocaute. Aí, foi aquele empurra pra lá, empurra cá e a quadra da escola virou uma verdadeira briga de rua.

Batalha campal

Empurrão para todo lado, puxão de cabelo, dedo no olho, mordida, tapa. Até quem não tinha nada a ver com a briga toda entrou na confusão só para participar da bagunça. Foi uma loucura só. O nível de intensidade era tão grande, que alguns socos que levei foram acompanhados de gritos furiosos de hadouken e shoryuken. Sentia-me quase dentro do próprio jogo — com a péssima diferença de sentir a dor dos golpes sofridos.

A briga só aumentava. Cada vez mais meninos entravam na confusão. Não havia sinais de que aquilo acabaria tão cedo — nessa hora, bem que eu queria ter uma barra de life. Foi necessário o diretor e o vigia da escola chegarem para acabar com a batalha. Quando a poeira baixou, tinha gente rindo, chorando, se abraçando, perguntando por que tinha começado a confusão e até outros doidos ainda gritando “Mega, Mega, Mega”.

Foi uma tremenda confusão. Todos foram parar na secretaria para conversar com o diretor. A parte difícil foi explicar a ele os motivos da briga, já que, ainda exaltados, alguns diziam: “Eu tentei explicar para ele que no Mega o game roda mais suave”. Ou: “Ele não quis entender que o hardware do SNES é muito mais robusto para executar um cartucho com tanta memória”.

Contudo, no auge de sua sabedoria, aquele senhor, que não devia ter ideia do que era um videogame, conseguiu tocar o coração de todos com uma mensagem simples, mas tão verdadeira que mudou a forma como muitos ali passaram a enxergar os videogames dali em diante.

Dura lição

O diretor disse mais ou menos assim: “Meninos, saibam respeitar a opinião do outro. Diferenças existem, sim. Mas, são elas que fazem a vida ser tão bela. São elas que tornam cada um de vocês únicos. Fazem de vocês quem vocês são. Portanto, deixem as diferenças de lado. Cada um tem algo a oferecer, e esse algo pode ser especial para o outro. Até para você”.

E continuou: “Então, saibam lidar com as diferenças, esqueçam os preconceitos e abram a mente para o novo. Joguem os jogos dos seus amigos, experimentem outros videogames. Aposto que existem ótimos jogos em cada videogame. Se você se fechar em apenas uma empresa, não poderá experimentar o que a outra tem de melhor. Mas, se jogar nos dois videogames, você irá se divertir muito mais. Agora, vocês estão suspensos por três dias e suas mães serão notificadas.”

Bom, essa última parte eu praticamente não ouvi depois de todo o ensinamento que ele nos passou. Mas, levei suas palavras comigo e mudei a forma como eu encarava os jogos eletrônicos. A partir daí, deixei de lado a minha obsessão pela Nintendo e dei uma chance ao Mega Drive. E, como não podia ser diferente, fiquei maravilhado com todos os excelentes jogos que por puro preconceito eu não havia experimentado.

A diversão no rival

Passei meses colocando em dia toda a vasta biblioteca de grandes jogos. Corri feito louco com Sonic, dei muita porrada em Streets of Rage, fiz longas jornadas em Phantasy Star e dancei muito com Michael Jackson em Moonwalker. Mais do que tudo, me diverti como nunca com um excelente console.

Daquele dia em diante, nunca mais deixei de jogar algo por preconceito, nem mesmo escolhi um lado nas gerações seguintes. Sempre joguei de tudo — mesmo a Nintendo permanecendo como a mais frequente até hoje. Essa lição que aprendi nos videogames também me serviu para a vida toda.

Para a vida toda

Confesso que não me orgulho muito de ter participado de toda essa confusão, principalmente caso um futuro filho meu resolva ler essas minhas histórias, Porém, devo confessar que foi muito divertido. Tudo isso fazia parte de um ambiente que envolvia muita paixão, fidelidade e inocência.

Os jogadores vestiam as camisas de suas empresas favoritas, liam a respeito com todo o entusiasmo e estavam sempre prontos, com bons argumentos, para jogar conversa fora com os amigos, seja na escola ou na locadora. Bom, você já parou para pensar como seria o futebol sem a paixão das torcidas por seus times? Então. Não dava para viver essa época sem o mesmo amor e intensidade.

Ps.: Meu futuro filho, caso esteja lendo essa crônica, não importa qual for a sua idade, não repita isso na escola. A menos que exista outra grande e linda rivalidade nos videogames como foi a Guerra dos Consoles entre Nintendo e Sega.


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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