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Uma grande conquista. Um excelente cartucho. Um baita castigo. Uma longa separação. E um desfecho inusitado. Esses são os elementos que compõem a minha história com um dos jogos inesquecíveis da minha infância.

Passado Feliz

Bater uma pelada na frente de casa, soltar pipa na parede do açude, jogar “taco” (o beisebol nordestino) nos terrenos baldios, disputar partidas acaloradas de “bila” e imaginar lutas arrasadoras com bonecos dos Cavaleiros do Zodíaco na casa dos meus vizinhos. Essas eram as ocupações do pequeno Ítalo, lá por volta de 1997.

Embora eu utilizasse o meu tempo intensamente com todas essas atividades, nada se comparava ao tempo que eu passava na locadora. Sempre que eu podia (praticamente o tempo todo), passava na locadora para encontrar os amigos, ver os novos jogos, “goderar” uma partida de dois, e, claro, jogar bons games.

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Por ter vivido intensamente nesses templos da diversão gamer, guardo inúmeras recordações felizes dessa época (parte delas publicadas nos livros Os videogames e eu e Papo de Locadora). Contudo, uma dessas lembranças tinha uma mistura de glória e tristeza até uma situação inesperada mudar tudo.

Glória nos games

A lembrança começava feliz, quando, no começo de 1997, a locadora do Tadeu anunciou uma grande competição. No auge da geração 32-bit, o dono da locadora desafiou a garotada a zerar o maior número de jogos de Super Nintendo que fosse possível em um mês. Aquele que conseguisse o feito ganharia um jogo de SNES.

A promoção servia para incentivar a galera a continuar jogando no 16-bit da Nintendo, que naquela altura perdia espaço para o PlayStation. A maioria da galera, infelizmente, nem deu bola para o dono, pois não abriam mão dos sucessos poligonais do momento. Já a molecada aceitou o desafio, gastando tudo que tinha durante o mês da promoção.

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Fiz favores para os meus pais, visitei a minha avó todos os dias, desviei o dinheiro do lanche da escola, pedi a benção aos meus padrinhos regularmente e até ajudei senhoras a levarem suas compras para casa. Tudo para juntar a grana necessária para vencer jogar o máximo que desse nesse mês.

Com dinheiro no bolso, a estratégia para vencer o desafio da locadora do Tadeu foi começar pelos jogos de luta. Zerei todos os que tinham, pois era curtinhos. Depois, passei para os de corrida e de nave, até terminar nos jogos de plataforma. Não faço mais ideia de quantos foram, só sei que não deu pra ninguém. Venci com folga.

Devo ter gasto muito mais do que o valor de comprar um jogo. Mas, quem ligava? O importante mesmo era o reconhecimento e o prêmio. Eu estava lá, provando que era um bom jogador (ou pelo menos esperto) e ganhando um jogo da locadora. Isso significava muito para mim. E, sem pensar muito, escolhi um jogo que me deu dois grandes amigos: Mega Man X.

Unidos por um cartucho

Desde o momento que resolvi entrar no desafio, tinha em mente pegar Mega Man X como prêmio. Foi com aquele mesmo cartucho, guardado na gaveta da bancada de Tadeu, que conheci dois dos meus melhores amigos até hoje. Um, foi o responsável por me ensinar a jogar videogames. O outro, foi o garoto que eu ensinei a jogar. Eu precisava daquele jogo.

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Cheguei em casa pulando, gritando e, se não me falha a memória, chorando descontroladamente. Era o meu primeiro jogo conseguido com esforço próprio, em uma época em que jogos eram caríssimos, mesmo os alternativos.

O cartuchinho cinza, novíssimo, foi para a estante, ao lado dos troféus de futebol do meu pai. Era o meu maior prêmio até aquele momento. O meu tesouro. Todos que entravam lá em casa tinha que ouvir sobre a história daquela conquista. Eu relembrava jogo por jogo zerado até ter aquele Mega Man X ali. Meus amigos então, ficavam horas lá em casa, recontando as vezes que jogamos juntos aquele mesmo jogo na locadora.

Aprontando com os Irmãos

Os anos se passavam e o cartucho de Mega Man X continuava imponente na estante de casa, retirado apenas quando algum amigo chegava para dividir a jornada no Super Nintendo. Contudo, esses dias de glória estavam contados.

Era final de 2000, quando a minha mãe disse que precisaria passar o dia fora de casa, pois seria a confraternização da escola em que ela trabalhava. Meu pai, por coincidência, também teria uma festa para ir com os alunos dele. Ou seja: eu e os meus irmãos ficaríamos um dia quase todo sozinhos em casa. O resultado, claro, não seria nada bom.

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Como eram raros os momentos de ausência dos meus pais em casa, sempre que isso acontecia nós aproveitávamos para fazer algo novo e “proibido”. Já tínhamos alagado a cozinha, acampado no muro, feito festa com os amigos e até montamos um circo na garagem. Mas dessa vez, meus irmãos e eu transformamos a sala de estar em uma quadra de futsal.

Afastamos o sofá, colocamos a estante de lado, tiramos as cadeiras, ligamos o som nas alturas tocando Michael Jackson e montamos uma bola com todas as meias que achamos em casa. Foi uma loucura só. Jogo, dança, risadas, brigas, mais jogo, mais danças, mais brigas. Até que no meio da confusão, um chute desgovernado acertou a estante, quebrando praticamente tudo, menos o meu cartuchinho de Mega Man X.

Castigo de mãe

Confesso que mesmo depois da tragédia, ainda continuei jogando com os meus irmãos por horas, sem se preocupar nenhum pouco com o nosso futuro depois do ocorrido. Mas, quando a minha mãe chegou em casa…

Ainda consigo lembrar de tudo que ouvi e senti naquele dia. A minha mãe ficou irada. Tanto que ela cuidava daquela sala, coitada. Agora estava tudo destruído. E, para piorar a situação, eu, na minha inocência, ainda disse: “mãe, pelo menos o meu jogo ficou inteirinho, olha só”. Se eu soubesse o que viria depois dessa frase, eu nunca a teria dito em toda a minha vida.

Tomada pela ira, a minha mãe olhou duro para mim e disse: “que bom, era tudo que eu queria, pois o moleque da rua que ficará com ele poderá jogar o quanto ele quiser”. “NÃO, MÃE. NÃO MÃE. ELE É MEU. EU GANHEI. É ESPECIAL”, eu gritava feito um maluco. Mas não adiantou. Ela pegou o jogo e disse que entregaria para o primeiro que visse.

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Chorei como um baby Mario. Mas de nada adiantou. Como castigo pelo caos que causei com meus irmãos, a minha mãe sumiu com o jogo, alegando que havia presenteado um dos meus amigos e que eu jamais saberia o paradeiro dele.

Tentei de todo jeito saber quem recebeu o jogo. Interroguei a locadora toda. Mas todos alegavam que não sabiam do que eu estava falando. Como podia? O meu jogo especial estava com outro, depois de tanto trabalho que tive para merecer. Tudo por causa de uma simples quebradeira geral.

Separação dolorosa

Eu pensava no cartucho de Mega Man X todos os dias durante meses. Passaram-se anos e eu ainda perguntava para os meus amigos sobre o jogo, na esperança de que o maldito que estivesse com ele não tivesse mais apego pelo meu troféu. Perguntar para minha mãe então, de nada servia. Ela sempre falava que tinha presenteado um amigo meu e que eu nunca veria aquele jogo outra vez.

Esse foi, sem dúvidas, um dos maiores castigos da minha infância. Até o apego pelos outros jogos eu perdi, tamanho era o desgosto pela ausência de Mega Man X na coleção. Minha mãe tinha sido cruel. Ah, e bastava eu começar a aprontar em casa para ela logo ameaçar presentear os meus amigos com algo que eu gostava. Só de lembrar de Mega Man X eu parava a “ruindade” imediatamente.

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Os anos se passaram, outros videogames vieram, novas coisas foram quebradas em casa, muitos outros castigos foram aplicados, e o meu cartucho se tornou apenas mais uma história de infância nunca resolvida. Tanto é, que passei muitos anos sem sequer lembrar disso tudo. Porém, essa história ainda não tinha chegado ao fim.

O reencontro

Quase 20 anos já haviam se passado desde a primeira vez que levei o cartucho de Mega Man X da locadora para casa, quando, sem esperar, recebi uma mensagem da minha mãe. O texto dizia exatamente assim: “você não vai acreditar no que encontrei aqui em casa depois da reforma do quarto que era de vocês”.

Eu não fazia ideia do que se tratava. Será que eram os meus desenhos de Dragon Ball Z que fiz ainda criança? Seria o meu caderno da escola com as assinaturas de todos os meus colegas que eu não via desde a formatura? Ou era o meu álbum de fotos perdido desde quando me mudei? Nesse dia, o tempo custou a passar.

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Trabalhei o dia todo pensando em todas as possibilidades desse achado da minha mãe. Mas quando cheguei em casa, tive a surpresa. Não era nada, absolutamente nada do que eu imaginava. Mas era tudo, simplesmente tudo que eu mais queria. Sim, era o meu antigo troféu, novíssimo, como da última vez que eu o vi, a quase vinte anos.

Eu não conseguia acreditar que aquele era o mesmo jogo que ganhei na locadora do Tadeu quando criança, depois de zerar dezenas de jogos. O mesmo cartucho que me apresentou a dois grandes amigos. O mesmo game que a minha mãe teimou em dizer que tinha presenteado um amigo depois da quebradeira na sala de casa.

Para a minha surpresa, mãe revelou todo o mistério. Na verdade. ela não deu o jogo coisa nenhuma. Ela escondeu em casa, no meu quarto, entre as telhas e o forro. Segundo ela, Mega Man X seria entregue quando eu voltasse a me comportar bem quando criança. O problema é que esse dia nunca chegou e todos esqueceram do dito jogo, inclusive minha mãe, que não fazia mais ideia de onde ela havia escondido.

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Este ano, contudo, ela resolveu fazer uma reforma no meu antigo quarto, agora que meus irmãos também não moram mais em casa. E para a surpresa de todos, o pedreiro encontrou o jogo inteirinho, no mesmo lugar que estava desde o castigo aplicado por a minha mãe. É inexplicável a sensação de reencontrar algo tão importante para você depois de tanto tempo, principalmente quando você não tinha mais nenhuma esperança. Foi uma emoção só.

Velho parceiro

Foram tantas histórias envolvendo o meu cartucho de Mega Man X. São tantas lembranças que ele representa. De fora, ele pode até parecer apenas uma fita. Mas para mim, aquele cartuchinho cinza representa uma época maravilhosa. De um tempo de amizades, diversão e conquistas na locadora. Hoje, ao reencontrá-lo, parece que posso me transportar até 1997 e sentir as mesmas emoções de outrora.

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Muitos podem não entender, mas nós, velhos apaixonados pelos jogos clássicos, sabemos que videogames não são “só” videogames. Não é verdade?


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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