Os games de corrida na geração 32-bit deram um salto e tanto em qualidade frente aos consoles da geração anterior. Gráficos ficaram mais bonitos, controles mais precisos e som melhorado. Aí, quando a Sony lançou o primeiro Gran Turismo em 1997, todos esses parâmetros foram jogados muito para cima. E quando a mesma Sony lançou a continuação da franquia dois anos depois, foi também o ápice dos jogos de corrida nos 32 bits. Houve diversos títulos marcantes na era poligonal, mas o Gran Turismo 2 foi aquele que juntou o melhor. O game foi quase como uma “universidade” que formou toda uma geração de pilotos virtuais e apaixonados por carros.
O trabalho primoroso da Sony e da Poliphony Digital aparece em tudo: desde a imensa lista de cerca de 650 carros (quase o triplo do primeiro GT e recorde absoluto em qualquer game de corrida da época), pela seleção de circuitos, que mistura pistas fictícias e icônicas a circuitos reais e muito bem-modelados, passando pela física extremamente apurada, pela trilha sonora escolhida a dedo que juntava rock, eletrônico e jazz em doses perfeitamente balanceadas, aos controles mais próximos de simulação (e, por conseguinte, mais desafiadores) que um game de corrida nos consoles de mesa havia tido até então. A qualidade foi atestada por um número absurdo de vendas – 9,37 milhões de vendas a nível mundial – e por notas altas (a IGN deu 9,8, enquanto a menor nota em todos os reviews foi um 8,5, dado pela GameSpot).
A universidade da velocidade
Se mais acima citei que o jogo foi uma “universidade”, até nisso ele foi uma evolução do primeiro GT. Pense no primeiro título como a graduação, e o segundo como um mestrado ou doutorado. A coisa começa com os controles ainda mais apurados, o que quer dizer que “habilidade ao volante” se tornou condição sine qua non para qualquer piloto virtual ter um mínimo de sucesso no jogo.
Em outras palavras, quem estava acostumado com as curvas impossíveis feitas a velocidades insanas de um Top Gear 2, Top Gear 3000 ou Sega GT iria acertar o primeiro muro que visse pela frente no Gran Turismo 2. O botão de freio precisou ser usado com muito mais frequência e sabedoria que antes (e, se brincar, ainda mais que no primeiro game). Fora que exagerar no esterçamento do volante poderia fazer o carro rodar feito um pião.
O jogo agora vinha em dois discos, seguindo a lógica do primeiro game:
Modo Arcade (Arcade Disc), para quem, como no primeiro, queria correr sem muitos contratempos, se divertir um pouco de maneira mais rápida e conhecer de bate-pronto o modo de rally (um dos grandes destaques do game, inclusive) ou o Modo simulação ou (Gran Turismo Disc).
Inclusive, se a ideia era aprender a dirigir para valer e ter a experiência REAL que o jogo proporcionava, este disco era o necessário e o recomendado. Para ter a experiência indicada para não fazer feio, as temidas licenças estavam de volta, mas em formato ainda mais desafiador. Se no primeiro GT eram 3 (B, A e International-A), agora o aspirante a Lewis Hamilton tinha pela frente O DOBRO disso. Eram 60 diferentes testes, que começavam na B, depois por A, International-C, International-B, International-A e a Super License (ou superlicença, tal qual é requerido aos pilotos de Fórmula 1, por exemplo). E atire a primeira chave de roda quem nunca quis jogar o controle pela janela por não passar de determinado teste em uma licença!
Mas, nesse caso, ser um aluno (muito) aplicado dava recompensas também: tirar medalha de ouro em todos os testes de uma licença rendia um carro como prêmio! Isso quer dizer que, se você fosse bom de braço o suficiente, economizava uns trocados e nem teria que comprar seu primeiro carro usado (porque sim, havia uma infinidade ainda maior de usados no GT2). Inclusive, o assunto “carros” é bem digno de nota neste jogo…
Fábrica de mitos
São uns 650 carros à disposição do piloto virtual. Sim, 650! E nisso o Gran Turismo 2 foi responsável por transformar a vida de muitos apaixonados por carros e pilotos virtuais. Se até o surgimento da franquia, pra muitos, a Nissan só fazia a Frontier, a Toyota só fazia o Corolla, a Honda o Civic e a Mitsubishi o Lancer, o GT2 eternizou mitos. Pergunte a qualquer um que gosta minimamente de carros – e/ou que jogou o game – e você ouvirá nomes como Nissan Skyline GT-R, Mitsubishi Lancer Evolution, Toyota Supra e Honda NSX. Muitas dessas fabricantes orientais inclusive reconhecem que seus carros se tornaram conhecidos e/ou mitificados no ocidente graças ao jogo. E toda uma geração de véios e véias cresceu sonhando com esses carros.
A variedade muito maior globalizou ainda mais a franquia e trouxe fabricantes de quase todos os cantos do planeta, o que trouxe uma mudança no modo simulação: agora as fabricantes não estavam mais concentradas na tela inicial, e sim divididas em “cidades”. East City concentrava as fabricantes japonesas, West City as francesas e italianas, North City as inglesas e alemãs e South City as americanas. Nisso a lista de fabricantes também cresceu exponencialmente.
Agora eram 36 marcas diferentes (ou 37 em algumas versões do jogo, como a europeia). Algumas já presentes no primeiro título, como Aston Martin, Chevrolet, Ford e TVR. Outras estreantes já eram conhecidas do grande público, como Fiat, Peugeot, Mercedes-Benz, Jaguar e Renault. E, completando o caráter global do título, outras marcas desconhecidas foram apresentadas aos pilotos virtuais, tais como Venturi, Vector, Lister, Tommy Kaira, Daihatsu e Plymouth. Entre as desconhecidas, um caso curioso é a alemã RUF. Todo mundo que jogou ficou se perguntando “mas estes carros não são Porsches?”, e a resposta é, ironicamente, não, envolvendo uma sacada inteligente da Sony e da Poliphony Digital.
Como a licença da Porsche à época era exclusividade para poucas empresas no mundo dos games (o Need For Speed: Porsche Unleashed que o diga), a solução alternativa foi buscar na RUF, que usa Porsches como base, mas os constrói de forma própria (e tem reconhecimento do governo alemão como fabricante independente) a substituição, com carros ainda mais potentes e velozes que os Porsche “comuns”.
E vale lembrar que nem só de carangos japas foi feita a fama do Gran Turismo 2: carros como os monstruosos TVR Speed 12 e Renault Espace F1, o veloz Alfa Romeo 155 Touring Car, os elegantes Jaguar XJR15 e XJ220 Race Car e o exótico Vector M12 estavam entre os sonhos sobre rodas.
Antecipando tendências
Também não é errado dizer que o GT2 antecipou, de certa forma, algumas “modas” do mundo automotivo e dos games de corrida. Muito antes do tuning fazer sucesso em Need For Speed: Underground, já era possível preparar o motor do carro, rebaixar suspensão, trocar rodas e até fazer uma pintura de corrida (através da opção “Racing Modification”) no seu carango novo ou usado.
Seu negócio eram os clássicos muscle-cars americanos dos anos 60 e 70? O jogo também trazia opções, como o Plymouth GT-X ou o Dodge Charger. Queria sujar as rodas no rali? O GT2 foi o primeiro título da franquia com pistas de rali, jogabilidade idem (ou seja, mais “escorregadia” e desafiadora) e carros específicos da categoria, como os Subaru Impreza e Mitsubishi Lancer do campeonato mundial, o emblemático Opel Tigra Ice Race Car ou o Suzuki Escudo, reconhecido como um dos carros mais apelões da história dos games de corrida. Se a praia era a cultura automotiva japonesa, então, o game era um prato cheio. E tudo isso unindo pistas que se tornaram ícones da fraquia (como High Speed Ring, Trial Mountain ou Clubman Stage Route 5), até pistas de verdade, como Laguna Seca, passando por estágios de rali como a desafiadora subida de montanha de Pikes Peak
Uma verdadeira viagem sonora
A trilha sonora do game foi outro show à parte. Gosta de rock? Havia músicas de Creed, Stone Temple Pilots, Apollo 440, Hole, além da antológica “My Favourite Game”, do The Cardigans na abertura. Prefere eletrônica? pois aqui tinha Moby, Crystal Method e um remix em cima do metal de Rob Zombie.
E, além das músicas cantadas, a produção sonora original do jogo foi elevada a um novo patamar, com músicas específicas (e belíssimas!) para cada cidade, num misto de instrumentais de jazz e J-rock de encher os olhos (e os ouvidos).
A experiência automobilística definitiva dos 32 bits
Quem teve um PS1 e curtia jogos de corrida, certamente leu este artigo com um sentimento de nostalgia (pra não dizer uma lágrima ou outra escorrendo dos olhos). Com uma física apuradíssima, uma lista de carros que parecia nunca terminar, jogabilidade desafiadora e trilha sonora memorável, o GT2 se tornou, para muitos, o melhor game de corrida do console de mesa da Sony, e para tantos outros o máximo que um game de corrida poderia ter e alcançar na era 32 bits.
Graças a ele toda uma geração de véios (incluindo este aqui que colaborou com o texto!) se apaixonou por carros e se tornaram pilotos virtuais. E se hoje em dia há por aí o Forza Motorsport, o Assetto Corsa ou mesmo o Project CARS, sem dúvida o embrião disso foi o Gran Turismo 2, um jogo que sempre vale a pena, de quando em quando, tirar a poeira do seu velho PS1 para jogar.