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Foi lançado no último dia 19 de novembro de 2019 o terceiro capítulo da franquia Shenmue, depois de dezoito anos de hiato e de um anúncio bombástico na E3 de 2015. Na ocasião, Yu Suzuki – produtor da série e de uma infinidade de games clássicos  – prometeu entregar um jogo digno dos fãs mais fervorosos da série, impulsionando a campanha de crowdfunding que bateu todas as metas em tempo recorde.

O primeiro título da trilogia foi lançado em 1999 para o Dreamcast, apesar de o projeto ter sido imaginado ainda para o Sega Saturn, segundo entrevista concedida por Suzuki ao site 1-Up: “É impressionante o quanto nós conseguimos avançar com o Saturn, mas chegou em um ponto em que não fazia mais sentido lançar naquela plataforma”, disse o produtor, referindo-se à inevitável mudança de gerações, depois de o Saturn fracassar diante da Sony e do PlayStation.

O jogo chegou ao mercado com a responsabilidade de garantir a sobrevivência do Dreamcast, mostrando as reais capacidades do console ao trabalhar com um mundo vasto e repleto de elementos interativos.

Jogar Shenmue era uma experiência única e bastante imersiva para a época, mas esse perfeccionismo saiu caro para a Sega: Shenmue custou quase US$50 milhões, valor considerado extremamente alto para um jogo na segunda metade da década de 1990. Para fins de comparação, naquele período apenas Final Fantasy VII chegou perto disso, com US$45 milhões investidos pela Squaresoft.

Parte desse perfeccionismo incluiu, por exemplo, a contratação de um Designer de Interiores para ajudar na criação do universo de Shenmue: “Já que o jogador pode andar livremente pelo mundo, nós imaginamos que a presença de um arquiteto cuidando das construções poderia nos ajudar a alcançar um novo nível de realismo”, afirmou Suzuki. Essa não era uma prática comum para a época, mas mostra o quanto o time de desenvolvimento estava empenhado em entregar um produto impecável.

Lançamentos pouco espaçados

Passados vinte anos desde a chegada de Shenmue ao mercado, sabemos que o jogo foi bem recebido e que teve influência direta na forma como games seriam concebidos daquele ponto em diante. Entretanto, isso não foi o bastante para salvar o Dreamcast e a própria Sega, que acabou abandonando a plataforma em 2001. Mais do que isso, a empresa decidiu deixar de vez o mercado de consoles e focar apenas na criação de novos produtos para plataformas de outras empresas.

Essa decisão não foi tomada baseada apenas no fracasso do Dreamcast, mas em inúmeros movimentos equivocados da empresa, desde o final da vida do Mega Drive e do conturbado lançamento do Sega Saturn. Veja abaixo a sequência de hardwares distribuídos pela Sega em um período curtíssimo de tempo:

Sega 32X (19/11/1994): Acessório do Mega Drive que conferia poder extra ao console, mas que rodava apenas jogos exclusivos do próprio 32X. Teve vida curta e uma biblioteca de apenas 39 jogos. Seu preço no lançamento era de US$299.

Sega Saturn (22/11/1994): No mesmo mês de lançamento do 32X, a Sega lançou o seu console de quinta geração por US$399. Em 1995 ela interrompeu a produção do 32X para focar apenas no Saturn, deixando na mão os clientes que haviam adquirido o acessório.

Os números do Saturn também são muito inferiores aos do PlayStation, lançado no mesmo período: 8.82 milhões de unidades contra 102.5 milhões, segundo dados do site VGChartz.

No vídeo abaixo, um trecho da primeira E3, em 1995, quando Steve Race, diretor de desenvolvimento da Sony, sobe ao palco e anuncia o preço oficial do PlayStation, cem dólares mais barato que o Saturn.

Sega Nomad (13/10/1995): uma versão portátil do Mega Drive, cujo lançamento foi feito de maneira equivocada, quando as atenções estavam voltadas para o Saturn e PlayStation. Além disso, o portátil precisava de seis pilhas AA para funcionar, mas que duravam menos de três horas.

Todos esses produtos tiveram vida curta, com o Saturn sendo o mais longevo, já que sua produção foi descontinuada em novembro de 1998. Além da forte concorrência da Sony, com o PlayStation, e da Nintendo, com o Nintendo 64, pesaram contra a Sega o lançamento prematuro do console nos Estados Unidos, a dificuldade na produção de jogos, já que o console contava com três processadores, além de não ter nenhum grande jogo oficial de Sonic em sua biblioteca.

E o Dreamcast, também foi um erro?

O desenvolvimento do último console da Sega começou com a criação de dois protótipos de fabricantes diferentes. O modelo Blackbelt foi uma parceria da 3dfx Interactive com a divisão ocidental da Sega. Os mais velhos vão lembrar da empresa como a criadora do chipset gráfico Voodoo, nome bastante comum entre os PC Gamers do final do século passado. O outro protótipo, que acabou sendo o escolhido, foi um esforço conjunto da Sega do Japão em parceria com a NEC e com a Imagination Technologies. Esse modelo foi batizado de Dural e teve seu nome trocado mais tarde para Katana.

A decisão da Sega em seguir em frente com o modelo japonês foi um golpe duro nas intenções da 3dfx, que chegou a processar a companhia nipônica alegando que eles estariam agindo de má fé, depois de conhecerem a fundo a tecnologia da empresa. Quem também não ficou feliz com a situação foi a Electronic Arts, que era investidora da 3dfx e decidiu não apoiar o Dreamcast. Por esse motivo, o console deixou de ter franquias super importantes de esportes como Madden, FIFA Soccer e NBA Live. Para suprir essa lacuna – apontada por muitos como um dos pontos cruciais no fracasso de vendas do console – a Sega apostou na série 2K, concorrente da EA.

Com quase dois anos de vantagem em relação aos seus principais concorrentes, o Dreamcast foi lançado no Japão em 27 de novembro de 1998. Sua recepção foi positiva, com 150.000 unidades vendidas só no primeiro dia. O público ocidental teve que se segurar até o ano seguinte, com lançamento no dia 9 de setembro de 1999.

O vídeo abaixo, feito pela emissora de TV norte-americana CNN, mostra o quanto o mercado ocidental estava animado com o lançamento do novo videogame.

Ficha Técnica do Dreamcast

Lançamento: 27/11/1998 (Japão), 09/09/1999 (EUA), 20/09/1999 (Brasil)
Mídia: GD-ROM (mídia proprietária)
Processador: Hitachi SuperH-4 @ 200MHz
Resolução de vídeo: 640 x 480, com 16.77 milhões de cores simultâneas

Dezoito jogos estavam disponíveis para compra já no primeiro dia do console nos Estados Unidos. Entre eles, sucessos como Sonic Adventure, Mortal Kombat Gold, Power Stone, Soul Calibur e Tokyo Xtreme Racer. E ter um jogo do ouriço mais rápido do mundo já na estreia fez toda a diferença, já que a exemplo de Mario, o personagem foi o encarregado de apresentar todo o potencial técnico do Dreamcast.

Aqui no Brasil, as revistas de videogame receberam o aparelho diretamente da Tectoy para testes, meses antes de o console chegar oficialmente. A revista Ação Games Nº 135 (janeiro de 1999) estampou o console na capa e fez um hands-on detalhado, mostrando todas as portas, saídas e acessórios disponíveis até então.

Diversos anúncios foram publicados nas revistas e chegou a rolar até uma festa de lançamento para o console, tudo organizado pela própria Tectoy. Contudo, apesar do clima festivo e das expectativas da empresa de vender 20.000 unidades em dois meses, as coisas não decolaram, graças ao valor proibitivo de R$899,00 pelo kit básico, sem nenhum jogo. Para comprar os discos, o jogador deveria desembolsar mais R$120,00 por título. Fizemos a correção para valores atuais utilizando a Calculadora do Cidadão do Banco Central e descobrimos que hoje um Dreamcast novo custaria algo em torno de R$3.979,00.

A euforia do lançamento logo foi substituída pela preocupação, diante da concorrência pesada do PlayStation 2, lançado em março de 2000. Além de o console da Sony ter o apoio das principais empresas third-party, havia ainda a fama conquistada com o sucesso avassalador do primeiro PlayStation, além do fato de o novo console usar o DVD como mídia.

Em 2001, Nintendo e Microsoft entraram na briga, com o lançamento do GameCube e do primeiro Xbox, respectivamente. Mas nesse momento a fatura já havia sido liquidada para a Sega, que mesmo tendo um bom produto em mãos, não conseguiu alcançar os resultados esperados pelos acionistas da empresa.

Com uma biblioteca de mais de 600 jogos lançados oficialmente – fora a cena independente que produz novos jogos até hoje –, o Dreamcast foi um lar bastante acolhedor para os jogadores, em especial os fãs de jogos de luta. Games como Marvel vs Capcom 2, Garou: Mark of the Wolves e Guilty Gear X tiveram excelentes conversões para o console da Sega.

Também é constantemente citado pelos fãs, mas sem o mesmo carinho envolvido, o joystick de formato curioso e pouco anatômico. Ele também servia para espetar os Visual Memory Units (VMU), que eram os cartões de memória do Dreamcast, com telinhas de cristal líquido que serviam para jogar minigames de modo independente do aparelho principal.

Um lançamento apressado, com a confiança do mercado e de seus clientes abalada, certamente teve impacto nas vendas do console. Se somarmos ainda a forte concorrência da Sony e Nintendo, além da tecnologia defasada entre um console e outro, temos aí os motivos para a morte prematura do Dreamcast, que vendeu apenas 8.2 milhões de unidades, contra os absurdos 157 milhões de unidades do PlayStation 2.

Nessa espiral de números, diante de um mercado extremamente competitivo e de um passado marcado por tropeços, nem mesmo Shenmue foi capaz de salvar a Sega. E justamente no ano em que a franquia completou vinte anos, revê-la em uma nova geração de consoles ajudou ainda mais no sentimento de nostalgia.


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Eidy Tasaka

Redator e diagramador freelancer, apaixonado por jogos e revistas antigas, incentivado por um pai que sempre nutriu os mesmos vícios. Fã de RPGs japoneses e jogos de plataforma, divide seu tempo entre o Jogo Véio e as poucas horas de sono que possui.

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