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Muito se discute atualmente sobre os malefícios dos jogos eletrônicos e toda a falta de socialização que estes causam naqueles que desprendem algumas horas por dia para uma jogatina. Isso sem falar em toda a violência juvenil e até adulta, atrelada ao uso dos videogames. Infelizmente, essa visão preconceituosa faz parte do discurso dos estudiosos, que nem ao menos se dão o direito de experimentar esse fantástico universo, tão cheio de fantasia, arte, cultura e entretenimento saudável.

Mas o que esses críticos ferrenhos dos jogos eletrônicos não sabem e talvez nunca saberão, é o tamanho da importância desse universo para as pessoas que fazem um uso saudável, moderado e socializante dos videogames. Além de permitir aprender línguas, conhecer novas culturas ou simplesmente se divertir na mais pura das intenções, os videogames unem as pessoas.

Isso mesmo, estudiosos! Longe dos números frios de uma pesquisa cientifica, escondem-se relações de amizade, feitas ou fortalecidas através dos videogames. Essa máquina, para alguns, mortífera, também é capaz de gerar felicidade e bons momentos entre amigos. E assim foi comigo, lá por volta do início dos anos 2000, no interior do Rio Grande do Norte.

Nova geração

Assim como as locadoras de videogame são uma fonte quase inesgotável de histórias para mim, o tempo do Nintendo 64 é farto de boas lembranças, envolvendo os videogames, entrelaçados com um forte sentimento de amizade.

Lá por volta de 1997, início de 1998, ainda sem entender bem do que se tratava, tive meu primeiro encontro com um Nintendo 64. Brevemente, assim por acaso, enquanto espiava uma das locadoras “adversárias” da que frequentava quando criança, pude avistar aquele lindo console preto de controles cinza.

Mas foi um daqueles rápidos olhares, sem entender muito do que se tratava, mas já despertando uma enorme curiosidade. Contudo, aquela dita locadora pouco tempo permaneceu em atividade. Outras duas se destacaram mais, principalmente pelo fato de terem investido no PlayStation, console que fazia uso de CDs, ou seja, tendo um custo bem menor para o negócio.

A chegada

Enquanto jogava no bom e velho Super Nintendo, tendo em vista que era mais barato e os jogos mais familiares, permaneci com aquela vaga lembrança daquele videogame diferente dos que tinham na locadora que eu frequentava.

Em meados do início da década de 2000, faltando pouco para a Nintendo descontinuar seu último console de mesa a cartuchos, uma novidade chegava à cidade. O até então inédito, para nós, Dreamcast. A reforma do nosso espaço de jogo trouxe consigo vários dos novos consoles da Sega, colocando a locadora num novo patamar. Mas uma coisa chamou a atenção de quem visitava o lugar. Em meio aos 128-bit da Sega, havia, bem no centro do salão, um console preto de controles cinza, daquele mesmo que havia visto poucos anos atrás.

Aquele Nintendo 64 permaneceu obsoleto em meio aos avançados consoles a CD. A nova geração só queria saber do novo, recusando-se a regredir aos jogos em cartucho. Contudo, antes mesmo que pudesse colocar as mãos no N64, ele já não fazia mais parte daquela casa de jogos. Havia sido vendido. Mas foi aí que as coisas tomaram o rumo certo.

Novos rumos

Quando se é jovem, principalmente no interior de um Estado que é interior de um país, as maneiras de se fazer amizades são bem escassas, resumindo-se principalmente à escola. Assim, entre colegas de turma, companheiros de peladas e vizinhos de bairro, a nova forma de interagir com outros jovens da cidade através de um lugar jovial e moderno, era nas locadoras. Lá conversávamos sobre tudo: futebol, meninas, música, filmes e, claro, videogames.

A afinidade acontecia rapidamente e várias amizades vindouras surgiram nesse período. Contudo, um desses grandes amigos foi o responsável por unir fortemente um grupo de jovens amigos em torno da diversão proporcionada por um videogame em especifico.

Pois é aí que aquele bendito Nintendo 64 entra de vez nessa história. Um desses amigos, recém vinculado à turma no tempo das locadoras, vinha de uma grande cidade de São Paulo, tendo crescido na época de ouro dos videogames e presenciado toda a evolução da indústria. Esse mesmo sujeito era um fã entusiasta da Nintendo, nutrindo uma imensa paixão pelos seus consoles e jogos. Quando chegou na nossa cidade, deve até ter estranhado tamanho apreço dos jogadores pelo console da Sony e principalmente, não ter visto nos seus primeiros anos o tão famoso Nintendo 64.

Foi justamente esse amigo que acabou comprando o esquecido 64-bit quando foi exposto pela primeira vez na locadora dos Dreamcasts. E é aí que uma história de anos de jogatina entre amigos tem seu marco inicial.

O encontro

Antes preciso registrar a primeira vez em frente àquela poderosa máquina de jogos. Foi numa das várias conversas enquanto nos reuníamos no salão da locadora que o meu amigo revelou ter comprado o console. Num determinado momento, percebendo meu total oferecimento para conhecer sua nova aquisição, meu grande e inestimável amigo fez então o convite. Marcamos para a mesma noite, não dava para esperar mais.

Naquela noite tive a oportunidade enfim, de conhecer aquele novo universo, totalmente tridimensional, cheio de cores e sons. Era simplesmente incomparável. Naquele apertado cômodo, pude então conhecer, pela primeira vez, clássicos como Star Fox 64, Mario Kart 64, 007 Goldeneye e, por fim, um dos maiores títulos de todos os tempos, o tão aclamado Super Mario 64. Voltei para casa e logo repassei tudo para meus irmãos e amigos. Precisávamos jogar aqueles games.

As visitas à casa desse amigo foram ficando cada vez mais constantes. Agora já na presença de outros amigos, formávamos uma turma para assistir a esse novo companheiro terminar aquelas obras-primas da indústria de jogos eletrônicos. Lembro de ter acompanhado de perto cada estrela capturada com muito esforço em Super Mario 64, tarefa dificultada pelo péssimo estado do analógico do único controle que ele tinha.

E foi essa dificuldade em jogar que acabou nos unindo ainda mais. O maldito joystick impedia que se aproveitasse melhor a jogatina, o que gerou a necessidade de se comprar um novo. E aí a coisa foi tomando novos rumos. Com pouco tempo me vi comprando meu primeiro Nintendo 64, após ter me desfeito com muita dor do meu PlayStation. Mas não me arrependo, as alegrias e momentos com os amigos só aumentaram. Logo já tínhamos uns três ou quatro consoles entre a turma. Assim, teríamos enfim, quatro controles disponíveis num mesmo lugar. Não preciso dizer que a diversão foi garantida.

Fartura gamer

Esse foi um período de fartura. Tendo como única obrigação o estudo, muitas horas de folga nos restavam para curtir um bom jogo. Agora com vários N64 à disposição, dividíamos jogos, controles, acessórios e a aquisição de novos títulos. Tudo fluía em perfeita harmonia. Mas o melhor de tudo e mais aguardado por todos, eram as reuniões na casa do nosso amigo dono do primeiro Nintendo 64.

Quase diariamente nos reuníamos todos naquele lugarzinho apertado, mas aconchegante, para nos divertirmos e resenharmos enquanto jogávamos as pérolas que só o Nintendo 64 teve. Foram tardes e noites das mais disputadas corridas em Mario Kart 64. Raramente íamos apenas em quatro, muito pelo contrário, eram tantos, que só permaneceria de uma corrida para outra aquele que chegasse na frente dos outros três.

Era casco vermelho e banana para todo lado. O pior era quando íamos em cinco, saindo da próxima partida aquele que terminasse na pior colocação. Aí a coisa ficava feia. Existia uma tremenda perseguição contra o dono do quarto, onde dois percorriam o circuito em direção contrária apenas para perseguir o estressado corredor dono do jogo, enquanto outro ganhava a corrida livre de investidas adversárias.

Tempo de clássicos

Star Fox 64 também deu as caras nas nossas acirradas disputas de quatro jogadores. Fox e companhia sofreram nas mãos dos desajeitados pilotos da tropa estelar. Infelizmente a perseguição rolava solta mais uma vez contra o nosso amigo dono do lugar. Até hoje me pergunto como ele suportava tamanha apelação em todos os jogos — mesmo com tudo isso a amizade permaneceu inabalável todos esses anos.

Outro clássico responsável por muitos finais de semana em frente ao Nintendo 64 foi 007 Goldeneye. Aqui o tiroteio rolou solto nos vastos cenários do excelente título da Rare. Meu irmão era a encarnação de 007 — conhecido como Goldenboy —, tocando o terror nas jogatinas multiplayer. Aqui minhas lembranças são apenas de pedir pra não morrer antes de pegar uma arma. Por muitos anos nos pegamos jogando 007 com os mesmos amigos. Mesmo sem vencer, passei muitas tardes de sábado rindo à toa com meus irmãos e amigos na sala de casa.

Por incrível que pareça, um dos títulos mais jogados nessa era de Nintendo 64 foi Conker’s Bad Fur Day. Nem todos devem saber, mas o título do esquilo beberrão possui um multiplayer fantástico. Simples, mas incrivelmente divertido, Conker foi responsável por muitos anos de união entre amigos, duelando por bandeiras no campo de guerra sangrento, testando o trabalho em equipe na fase do cofre e marcando época e povoando as nossas melhores lembranças com os videogames na lendária fase da praia. Foi nesse duelo de ursos atiradores contra esquilos assassinos que demos nossas melhores risadas juntos, nos divertimos sem preocupações, de forma saudável, amigável e respeitosa.

Eterna amizade

Posso citar outros vários títulos que jogamos juntos, como Diddy Kong Racing, Killer Instinct — nesse eu era insuperável —, Pokémon Stadium, F-Zero X e Perfect Dark. Todos eles fizeram parte das várias maratonas de jogatina entre amigos por quase uma década. Foi um período de felicidade, muitas risadas e amizades feitas. Novos amigos eram acrescentados na turma e outros meios de diversão passaram também a fazer parte das reuniões, como futebol, filmes e lanches. Tudo para ter o pretexto de estarmos juntos. Foram anos incríveis.

E é com a memória desse tempo tão especial que vejo o quanto esses momentos foram importantes para nós, criando vínculos indestrutíveis de amizade, carinho e respeito. Hoje, vez ou outra ainda nos reunimos, não todos, mas novas partidas ainda se juntam ao hall das épicas batalhas na praia de Conker e nas pistas de Mario Kart.

Muito obrigado, Joanilson Santos. Sem você e o seu Nintendo 64 minha juventude não teria sido tão inesquecível como foi.


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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