Sem o imediatismo da internet, ser um gamer das antigas era uma tarefa cheia de descobertas e desafios. Conseguir informações sobre os títulos, comprar novos jogos e conhecer pessoas que também se interessassem pelo tema era uma missão dura, mas prazerosa. E foi com toda essa dificuldade, seguida de muita diversão, que vivi uma verdadeira saga para, finalmente, curtir Perfect Dark.
Outros tempos
Era começo da década de 2000, em São José do Seridó, Rio Grande do Norte. As locadoras estavam fazendo um sucesso estrondoso graças ao PlayStation e a sua infinidade de bons jogos. Contudo, longe da agitação dos templos da diversão, eu me entretinha como nunca com o meu recém-comprado Nintendo 64.
Na época, eu tinha acabado de conhecer o console de 64-bit da Nintendo. O videogame era uma das atrações da nova locadora do Tadeu, que trazia entre as novidades, além do N64, vários Dreamcasts e PCs para jogatinas online. Foi paixão à primeira vista, principalmente depois de jogar na casa do meu amigo Joanilson.
Deslumbrado com a qualidade dos jogos do console, rapidamente cuidei de comprar todos os jogos que consegui. Naquela época, bastava uma busca rápida no Mercado Livre ou uma viagem até a cidade vizinha para conseguir os grandes clássicos do console por R$ 30,00 ou R$ 50,00. Nada de preços exorbitantes como hoje.
Consegui Super Mario 64, Mario Kart 64, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, F-Zero X, Star Fox 64, Yoshi’s Story, GoldenEye 007, entre outros. Foram anos de jogatina intensa, principalmente com os meus amigos, que também resolveram comprar os seus próprios Nintendo 64. Mas foi quando o GameCube já tinha chegado que eu descobri, meio por acaso, a existência de um jogo de tiro que parecia simplesmente épico.
De grife
Qualquer um que tenha possuído um Nintendo 64 sabe que bastava aparecer o logo da empresa Rare nas telas iniciais para que qualquer dúvida sobre a qualidade do game desaparece. Foram dezenas de grandes games para o console, em todas as fases da vida útil do N64. Eu já tinha jogado quase todos os títulos da Rare para o Nintendo 64, mas ainda faltava um, que eu pouco conhecia, um tal de Perfect Dark.
Conheci Perfect Dark totalmente por acaso. Como já vivíamos a geração dos 128-bit (Dreamcast, PlayStation 2, GameCube e Xbox), eu gostava de procurar revistas mais antigas em sebos, na esperança de encontrar informações sobre games do 64. Foi numa dessas caçadas que topei com a edição 153 da revista Ação Games. Nela, uma linda agente estampava a capa com uma arma apontada para mim. Aquilo mexeu comigo.
Comprei a revista e corri para casa para saber mais sobre aquele jogo. E, para a minha surpresa, a linda agente da capa da revista era protagonista de um novo shooter da Rare para o console da Big N. A revista já era bem antiga, mas, como eu não tinha tanto acesso a outros meios de informação, aquilo caiu como uma bomba no meu coração gamer. Era aquele jogo que eu precisava.
O sonho
Decidido a comprar Perfect Dark, liguei para o meu amigo Roberto, dono de uma grande locadora na cidade vizinha. Fazendo de tudo para não entregar a minha vontade de comprar o game, perguntei, calmamente, se ele não tinha jogos de tiro para Nintendo 64. Prontamente ele me respondeu que tinha. Mas que nenhum se comparava a um jogo que ele tinha acabado de conseguir. O dito jogo era justamente Perfect Dark.
Na hora que ele pronunciou o nome do jogo, o meu coração disparou. Ele tinha Perfect Dark. Ele sabia que era bom. E eu já temia que fosse bastante caro tirar esse game dele. Quase tremendo de emoção, eu tentei me recompor para perguntar sobre o preço do jogo. “Poxa, Roberto. Se você fosse vender para um amigo, seria quanto?” Sem pestanejar, ele respondeu: “Para você é R$ 90,00. Preço de pai para filho”.
R$ 90,00!? NOVENTA REAIS!? Era muito dinheiro! Mas eu precisava daquele jogo. Acreditando que seria possível levantar esse valor, fechei o negócio com Roberto: “Tá fechado, meu amigo. Segura o jogo aí que em 30 dias eu levanto a grana.”
A esperança
Durante a euforia de conseguir um jogo novo tão desejado, consegui pensar na melhor maneira de arrecadar dinheiro suficiente para pagar Perfect Dark. Estávamos em setembro, mês da festa de padroeiro de São José do Seridó/RN, tempo de festas, celebrações, diversão e de receber a “mesada extra”.
Durante os 10 dias de festa do padroeiro a cidade inteira saia a noite para comer, brincar no parque de diversões, ir à missa e sair com os amigos. Eram dias de muita diversão e celebração. Sabendo disso, os são-josé-seridoenses faziam uma grande economia durante o ano para ter condições de aproveitar intensamente esses dias.
Com os meus pais não era diferente. Eles economizavam o ano inteiro para ter condições de sair todos os dias e ainda liberar uma mesada extra para os meus irmãos e eu. E, justamente nesse ano, recebemos R$ 100,00 cada para gastar nos 10 dias de festa na cidade.
O sacrifício
A conta era simples. Cada um teria, em média, R$ 10,00 para gastar por dia. Os meus irmãos já tinham tudo planejado. O dinheiro teria que dar para jantar na rua, jogar na locadora, comprar doces, duelar nas barracas de tiro e andar no parque.
Já comigo a situação foi diferente. Eu precisava de R$ 90,00 para comprar Perfect Dark, mas meus pais não poderiam saber que eu usaria toda a grana para comprar um game. Então, eu teria que gastar pelo menos um pequeno valor por dia para eles não desconfiarem para, no fim, eu conseguir pagar o jogo.
Foram 10 dias de sacrifício extremo. Eu só poderia gastar R$ 10,00 durante os 10 dias de festa. Eu tinha que ver os meus irmãos se esbaldando de comida e diversão sem poder participar. Tinha que passar pelos brinquedos do parque e resistir a tentação de andar. E não podia nem olhar as barraquinhas com bonecos piratas, pois não podia gastar quase nada. E, para completar, eu tinha que provar, de alguma forma, que estava gastando o dinheiro da mesada todos os dias.
Com R$ 1,00 por dia, o máximo que dava para fazer era jogar na locadora, comprar um ficha no fliperama, tomar um sorvete, dar 4 tiros na barraca de armas ou comer umas pipocas. E assim fiz, durante os 10 dias de festa. Alternando entre um e outro, fui me controlando para sobrar os R$ 90,00 até o fim da festa.
A compra do jogo
Foi difícil. Foi duro. Foi torturante. Mas consegui terminar a festa do padroeiro de São José do Seridó com os R$ 90,00. Não esperei nem o parque desmontar os brinquedos e já combinei com o Roberto a entrega e o pagamento do jogo. Nossa, foi um momento de extrema felicidade. Finalmente eu tinha aquele jogo em mãos. E era tudo muito lindo. A capa era incrível, o cartucho era novinho, e Roberto ainda veio deixar o jogo na minha casa.
Parecia o cenário perfeito. Mas tudo mudou quando eu pude, finalmente, encaixar o jogo no meu Nintendo 64. Ao ligar Perfect Dark, me deparei com a triste surpresa de que era necessário ter um Expasion Pak (acessório que acrescentava 4MB de RAM ao console) para ter acesso ao modo história e à maioria do conteúdo do jogo. Que decepção.
Infelizmente, eu não tinha o tal Expasion Pak. Nem sabia quem tinha. E muito menos tinha dinheiro para comprar um. Isso não poderia estar acontecendo. Depois de tanto tempo desejando Perfect Dark, agora eu o tinha, mas não podia jogá-lo. Naquela época, ter acesso a esse tipo de informação era complicado. E como o meu cartucho não tinha caixa e nem manual, foi praticamente impossível saber que era necessário possuir o acessório.
Peguei o telefone de casa e liguei enfurecido para o Roberto. “Seu traíra, o jogo precisa de um Expansion Pak!”. “Ah, mas você não me disse que não tinha um. Tenho pra vender aqui, é R$ 60,00”, respondeu o meu velho amigo. Que amigo mais traíra eu fui encontrar. Mas, como eu queria muito jogar, pedi para ele guardar um para mim enquanto eu juntava dinheiro mais uma vez.
Plano expansivo
Eu já tinha conseguido o cartucho. Não desistiria tão facilmente de Perfect Dark. E, para conseguir os R$ 60,00 para comprar o Expansion Pak, resolvi pedir ajuda ao meu bom e velho amigo Tadeu.
Fui até a locadora do Tadeu explicar a minha situação. Disse para ele que precisava de uma grana e estava disposto a trabalhar algumas horas podia, depois da escola, em troca de alguns reais. Ele prontamente entendeu e aceitou, contratando-me para ficar na locadora no intervalo do jantar. Enquanto Tadeu saia para comer, eu tomava conta da locadora por duas horas em troca de alguns reais.
Era justo? Não sei! Era preciso? Com certeza! Então passei longos meses cuidando da locadora, atendendo os clientes e vendendo guloseimas. Eram horas maravilhosas, principalmente quando eu colocava mais dinheiro no cofrinho do Perfect Dark.
Nova tentativa
Enquanto ajudava o Tadeu na locadora, precisei me policiar para não gastar nada que ganhava. Era difícil resistir a uma jogatina com os amigos e, principalmente, aos pastéis que chegavam quentinhos para vender. Mas eu fui forte e tive a minha recompensa. Depois de meses, consegui, finalmente, os R$ 60,00 para comprar o cartucho de expansão.
Extremamente feliz e ansioso depois de uma longa viagem até a cidade onde o Roberto morava, cheguei em casa com o bendito Expansion Pak. Lá, meus irmãos me esperavam com o Nintendo 64 já ligado, pronto para uma jogatina desenfreada de Perfect Dark.
Com o novo equipamento instalado, liguei o Nintendo 64 com Perfect Dark. E lá estava, depois de tanta espera, o modo história dessa obra-prima da Rare. Juntei os irmãos ao redor da mesinha do quarto e controlei Joana Dark por entre prédios gigantes em cenários lindos e ambientado em uma cidade futurista e imponente, como eu nunca tinha visto antes. Pois é, Perfect Dark era tudo aquilo que eu esperava mesmo. Formidável!
Cada passo era motivo de vários sorrisos. Eu ainda não acreditava que estava finalmente jogando. O jogo possui belos gráficos, dublagem, ótima trilha sonora e uma excelente narrativa. Mas, como já era de noite, tive que desligar o console para ir até uma festinha da escola onde a minha mãe trabalhava. Não era o que eu queria, mas agora eu teria a vida toda para jogar Perfect Dark. Bom, pelo menos era isso que eu pensava depois de parar a jogatina logo após à primeira fase.
Dura realidade
Passei longas e tortuosas horas na festa da escola, só pensando na jogatina quando chegasse em casa. Depois de alguns cachorros-quentes e pratos de creme de galinha, meus irmãos e eu chegávamos prontos para continuar a aventura da agente Joana Dark. Mas, após ligar o console e tentar seguir de onde havia parado, mais uma ingrata surpresa me aguardava. O jogo precisava de um Memory Card para salvar o progresso.
Não era possível. Como eu terminaria uma aventura tão longa e desafiadora sem salvar o progresso? Como podia a Rare não ter colocado uma bateria de save no cartucho? Como eu poderia ser tão azarado? Não, eu não estava mais disposto a passar meses trabalhando na locadora em troca de uns trocados. Eu não esperaria mais uma festa de padroeiro para economizar dinheiro. Eu queria jogar Perfect Dark. E tinha que ser logo.
Liguei para o traíra do Roberto, esculhambando. “Seu maldito, eu ainda preciso de um Memory Card para jogar. Não é possível que você não soubesse disso. Eu vou te matar”. Eu gritava com o meu bom amigo. Quase se desmanchando de tanto rir, Roberto me respondeu dizendo que tinha Memory Cards para vender. Mas, que aceitava trocar em algum jogo para que eu não precisasse esperar tanto.
Esperto, Roberto queria trocar três fitas em um Memory Card. Mas, ele não me enganaria outra vez. Peguei o meu Mario Kart 64 e sai oferecendo aos amigos que tinham o 64. Eu tinha que vender para alguém conhecido, pois seria fácil de pegar emprestado quando a saudade chegasse. E assim fiz. Passei vários dias tentando convencer os meus amigos a comprarem o meu cartucho. Até que, semanas depois, vendi o meu Mario Kart 64 por R$ 35,00 a uma colega e fui até Roberto comprar o Memory Card.
We are the champions, my friend
Eu já não fazia mais ideia de quanto tempo havia se passado desde o dia que vi Perfect Dark pela primeira vez em uma revista de videogame. Eu só sabia que não aquentava mais esperar. Em vários momentos, por exemplo, eu ficava pensando: “e se eu morrer antes de jogar isso? E se o meu Nintendo 64 queimar? E se o jogo for ruim?” Esses pensamentos me atormentaram por meses. Mas o grande dia, enfim, chegaria.
Era um sábado à noite quando cheguei de Roberto com o Memory Card. Em casa, os meus irmãos já estavam preocupados comigo e com o videogame, pois bastaria só mais uma decepção para eu quebrar o cartucho e o console junto. Mas, com muita persistência, encaixei a parafernália toda e, pela graça sagrada dos deuses dos videogames, consegui, pela primeira vez, jogar Perfect Dark com tudo que tinha direito.
Foi uma sensação mágica, inexplicável. Eu corria, atirava, salvava pessoas, explodia alienígenas, repetia as missões, resetava o console só para testar se o progresso estava salvo. Foram momentos de uma felicidade única. Ah, obviamente, chorei horrores! Foi uma dia como poucos na minha vida gamer. Eu estava ali, sentado em frente a um jogo que me fez viver uma verdadeira jornada antes mesmo de poder desfrutá-lo. E o melhor, tudo aquilo estava valendo a pena.
Obra de arte
Perfect Dark era realmente um jogo maravilhoso. Cenários detalhados, trilha sonora de qualidade, gráficos incríveis, uma protagonista forte e cativante e uma aventura cinematográfica. Para mim, já era um dos jogos favoritos. Jogava ele sem parar. Zerando em todos os modos, procurando segredos, enfrentando os amigos no multiplayer. Eu jogava e sorria descontroladamente todas as vezes, só lembrando de tudo que tinha acontecido até aquele momento chegar.
Foi difícil, cansativo, e caro, mas valeu a pena. Diverti-me, sorri, brinquei e conheci um dos melhores jogos do Nintendo 64 já feitos.