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Silent Hill (PS1): Tá com medinho, senhor zero-meia?

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Era uma noite em fins de 2014, num aniversário na casa de um amigo, quando fui apresentado ao P.T (Playable Teaser), também conhecido como demo do Silent Hills, jogo da franquia de terror da Konami que sairia para PS4. Joguei pouco tempo (meia hora, mais ou menos), mas o suficiente para ter medo de verdade, coisa que há um bom tempo não sentia ao jogar um jogo de terror. Mas aí, ainda naquele mesmo ano, aconteceu um imbróglio que envolveu Hideo Kojima (criador de Metal Gear e que estava envolvido na produção do jogo) e a própria Konami, o jogo completo jamais viu a luz do dia e provavelmente nunca verá, já que parece que a produtora perdeu totalmente o interesse.

Aí você, amigo leitor e jogador véio, deve estar pensando “ué, mas ele está falando de um jogo atual?”. Não exatamente. Usei o exemplo do P.T. para remontar às origens da coisa toda, lá em 1999, no primeiro Playstation, com Silent Hill. Um jogo tão bem-feito e tão assustador que mesmo hoje, 20 anos depois, ainda cria toda uma atmosfera de medo em qualquer um que o jogue

Terror em sua mais pura essência

A Konami, até 1999, não era conhecida por fazer jogos de terror. O mais próximo disso era a franquia Castlevania, que era mais ligado ao gênero ação, e curtas passagens desse tipo como na luta contra Psycho Mantis no primeiro Metal Gear Solid. Meter medo não parecia ser a praia da produtora. Quanto mais fazer um jogo que batesse “de testa” com o aclamado Resident Evil 2 ou com o recém-saído Resident Evil 3, ambos survival horrors consolidados no mercado.

Pois é, mas aí a Konami surpreendeu a todos no lançamento do jogo (31 de janeiro de 99 nos EUA e 4 de março do mesmo ano no Japão… lá se vão 20 anos). Criado por Keiichiro Toyama, o game entregava uma experiência ainda mais imersiva e assustadora, com foco intenso no terror psicológico, que deixava o jogador em estado de alerta constante.

Se o rival Resident Evil era pródigo nos jumpscares, Silent Hill adicionava aquela sensação de não saber o que aconteceria ao se dobrar uma esquina, devido à cidade no jogo, de dia, ser tomada por uma densa neblina e de noite ser um breu total. Isso, inclusive, foi uma “artimanha” da produção do jogo.

Como a cidade era grande demais para o hardware do PS1 processar de uma só vez, a neblina/escuro permitia que o hardware trabalhasse dentro do seu limite e, de quebra, contribuía para causar um medo sem igual, por você jamais fazer ideia do que apareceria e quando e onde apareceria. E vale lembrar que, mesmo com essa limitação, esse foi um dos jogos que já apareceu perto do fim da vida do PS1, ou seja, aproveitava muito da capacidade do console.

Ah, e se não bastasse a cidade já meter medo o suficiente de dia ou de noite, em determinados momentos você entrava numa dimensão alternativa onde muitos véios e véias bateram o queixo de medo: paredes mofadas e vermelhas de sangue, grades enferrujadas e ensanguentadas que flutuavam desafiando as leis da física, tripas para todo lado, símbolos que faziam referências a rituais obscuros e, claro, inimigos intensamente assustadores e difíceis de matar, fora sons que por si só faziam muito jogador pular da cadeira, como portas abrindo com rangidos ou o grunhido de um monstro que você ainda nem viu no cenário, mas que sabia que poderia aparecer a qualquer momento.

Melhor que muito filme de terror

Ainda no aspecto criado pelo jogo, havia outra diferença cabal de Silent Hill para Resident Evil. Enquanto a franquia da Capcom seguia os moldes de um terror com ligações a filmes de ficção científica (ou seja, o vazamento de um vírus que criou zumbis e outras criaturas e pôs uma pacata cidade em ruínas), o jogo da Konami apostava no terror sobrenatural e psicológico, e fazia isso de maneira primorosa.

A história já dava contornos de filme ao game (que, não à toa, foi parar nas telonas num filme em 2006): Harry Mason vai com sua filha, Cheryl, à cidade que dá nome ao game, sendo que sete anos antes da história do jogo, ele e sua falecida esposa acharam Cheryl à beira da estrada e a adotaram. Aí, no caminho para a cidade, passam por uma policial (Cybil, que você reencontra no decorrer do jogo) e, pouco depois, veem sua moto batida, antes de eles mesmos terem um acidente.

Quando Harry acorda, sua filha sumiu e ele se vê na cidade coberta por uma densa névoa e neve (que mais tarde descobre-se que são cinzas caindo do céu!), e sua filha está desaparecida. Ele não faz ideia de onde a filha possa estar, não há ninguém na cidade e pra completar, monstros que parecem ter saído do inferno rondam as ruas. Mais tarde ele descobre que a cidade sofreu “efeitos colaterais” de um ritual de sacrifício de um culto que deu errado, e que sua filha é uma das “metades” da vilã do jogo (Alessa Gilespie), de quem ao você saber a história fica em dúvida se tem raiva ou pena. É ou não é um enredo melhor que o de muito filme de terror?

A construção dos personagens também contribui para o aspecto cinematográfico do jogo. Todos têm diálogos extremamente expressivos e momentos de fúria, medo ou reflexão que causam emoções viscerais em quem joga. Em determinados momentos você achará Harry meio trouxa, em outros terá pena dele, assim como outros personagens – a exemplo da enfermeira Lisa Garland – que você cria empatia e depois deseja que tivesse um final feliz que, infelizmente, não têm. Em outros, como com Dahlia Gillespie, uma das vilãs do jogo, você fica o tempo todo com um pé atrás com ela, tendo até mesmo raiva em alguns momentos.

Lute, literalmente, por sua vida

O início do game já dá uma boa ideia do quão aterrorizante será sua experiência, quando você controla Harry dentro de um pesadelo, onde, na procura pela filha, ele encontra corpos mutilados e é vítima de uma violência gráfica considerável, mesmo para o padrão poligonal do primeiro PlayStation. Depois desse pesadelo é que você inicia o game de verdade.

A jogabilidade, claro, tem muitos dos elementos vistos em Resident Evil, como controles para andar/correr e manusear armas, porém tem alguns diferenciais. Enquanto que no survival horror da Capcom o foco era total nas armas de fogo tendo apenas uma faca como arma branca, em Silent Hill Harry usa diversos outros objetos para se virar no combate com os monstros, como uma faca de cozinha, um machado, uma picareta, um cano de aço ou até mesmo uma katana, uma britadeira e uma serra elétrica (ambos adquiríveis depois de zerar o jogo pela primeira vez).

Também existem armas de fogo, mas o arsenal é bem mais reduzido: uma pistola, uma escopeta e um rifle de caça, além de uma arma a laser chamada Hyper Blaster, adquirida ao se fazer um dos finais alternativos do game. Também é bom pensar em usar mais as armas brancas porque aqui munição é verdadeiro artigo de luxo.

Os puzzles, tão convenientes a jogos de survival horror, também estão em profusão aqui, sendo que alguns envolvem a leitura de arquivos encontrados no jogo e um em específico deu raiva a muitos véios e véias: o quebra-cabeça do piano, encontrado na escola, onde além da leitura atenta de um documento, o jogador tinha que ter boa interpretação de texto e manjar de notas musicais! Desconheço uma pessoa que não usou um detonado para passar dessa parte, inclusive.

Algo que também se tornou marca registrada no game e foi visto em suas continuações foi o sistema de alerta de inimigos: logo no começo, Harry pega um rádio que começa a emitir um chiado assustador toda vez que um inimigo se aproxima, sendo que o que deveria ser uma ajuda às vezes traz mais pânico (por não saber por onde o inimigo se aproxima), contribuindo ainda mais para o medo.

O combate, inclusive, é mais complicado que na franquia RE, pois os inimigos são mais imprevisíveis em seus ataques, além de contarem com o fator surpresa de surgirem no meio da névoa ou do escuro. E a coisa toda ganha contornos ainda mais macabros quando se descobre que todos eles possuem algum simbolismo com os protagonistas ou antagonistas, além de por si só já possuírem visuais horrendos: criaturas voadoras que parecem demônios, cachorros em carne-viva, sombras que se movem, uma lagarta gigante, uma mariposa gigante e o chefe final, que é a representação de nada menos que um demônio.

O medo canta e toca, muito bem por sinal

Em um jogo de terror, a última coisa que muito jogador percebe ou se lembra é da música, mas em Silent Hill não dá para ignorar esse aspecto. Apesar de boa parte do jogo ter somente o barulho do vento ou da chuva (que cai somente à noite) junto a passos e outros efeitos sonoros comuns, em diversos momentos de tensão (como quando um inimigo aparece após uma cutscene) ou na luta contra um chefe, surge uma música que casa perfeitamente com o momento e dá mais nervosismo ao jogador. Além disso, há composições instrumentais próprias bastante refinadas (como a que toca no vídeo de abertura do game), com um quê de rock alternativo. Compostas em sua maioria por Akira Yamaoka, as músicas dão o tom soturno, sombrio e determinadamente depressivo que o game passa em diversos momentos. Ainda assim, têm sua beleza única, tanto que a trilha sonora completa virou disco depois.

Homenagem mais que justa… e sombria

E se além de gamer véio, aquele que jogar Silent Hill curtir o universo dos filmes e livros de terror, encontrará diversas referências a mestres do gênero. As ruas da cidade têm o nome de escritores de filmes de terror como Richard Matheson, Jack Finney, Carl Sagan e Richard Bachman (um pseudônimo de Stephen King em um de seus livros). O nome dos personagens também tem alguma conexão com personagens do cinema de terror.

E por último, mas não menos importante… Silent Hill foi inspirada numa cidade de verdade! Calma, não há uma cidade com demônios e cinzas caindo do céu, mas Centralia, localizada no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, teve um incidente em 1962, onde a ação do governo de queimar um aterro de lixo numa antiga mina a céu aberto resultou numa combustão que ainda hoje queima sob a cidade (afinal, a mina era de… carvão!). Resultado? O chão começou a rachar e gás carbônico saía das frestas, além um episódio ocorrido em 1981, onde um garoto de 12 anos viu o chão abrir sob seus pés e, por muito pouco, não virou cinzas ou morreu intoxicado pela fumaça.

Essa é a cidade de Centralia, na Pensilvânia, EUA. Dá medo, não?

Após episódios assim, pouco a pouco as pessoas foram evacuando, e segundo o censo americano, sete corajosos (ou seriam loucos?) cidadãos ainda viviam lá em 2013. A instabilidade é constante, com o chão podendo abrir a qualquer momento, e o fogo que queima inesperadamente abaixo dos pés, segundo especialistas, ainda levará ao menos uns 200 a 250 anos para queimar.

E aí, encara ou tá com medinho?

De longe o jogo que mais meteu medo em toda uma geração de jogadores e o primeiro survival horror a peitar o então intocável Resident Evil, Silent Hill mostrou que a Konami tinha potencial para fazer um jogo aterrorizante ao extremo. Suas duas primeiras continuações (Silent Hill 2 e Silent Hill 3, este último continuação canônica do primeiro) foram tão aclamados quanto. Depois disso a franquia foi se perdendo, mas aí remontamos ao o começo do texto, quando a Konami tirou Hideo Kojima de sua zona de conforto para fazer um jogo de terror e recolocar a franquia nos trilhos. Infelizmente, esse passo nunca foi dado e provavelmente nunca será concretizado, por mais que a empresa diga que a franquia não está morta.

Enquanto esperamos para saber se um dia haverá um novo Silent Hill, o melhor é relembrar como um jogo feito há 20 anos pode causar o medo mais verdadeiro e visceral possível. E aí, tem coragem?

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