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A febre dos jogos baseados em desenhos nas locadoras

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A locadora era um lugar mágico. Era lá onde nos encontrávamos com os amigos, aprendíamos sobre a vida com os donos, fazíamos novas amizades, lanchávamos e, como não poderia deixar de ser, jogávamos videogame o tempo todo.

Nesse lugar, encontrávamos a maior concentração de interesse da juventude por metro quadrado dentro de uma cidade. E para completar esse leque de maravilhas, as locadoras conseguiam trazer as nossas paixões da televisão para os seus domínios com extrema felicidade.

Mais do que gamer

Sou gamer desde os quatro anos de idade e, quando ainda era um garotinho, já tentava ajudar o Mario a salvar a princesa. São poucas as lembranças que ainda guardo que não consta um videogame entre elas. Ele foi e é uma das minhas maiores paixões. Um hobby saudável e que muito me orgulha. Mas, nem só de videogames pode viver uma criança (e um adulto também).

Ainda quando garotinho, logo cedo me encantei pelo futebol. Não era para menos, pois o meu pai sempre foi um apaixonado pelo esporte, tendo sido um goleiro dos bons e um excelente treinador. E foi frequentando os jogos do meu pai e assistindo, juntos, às partidas do nosso time de coração nas quartas e domingos, que logo me tornei mais um no bando de loucos futebolísticos.

Nova paixão

Dividindo o coração entre os games e o futebol, logo eu ganharia uma nova e intensa paixão para gastar o meu tempo. Foi em um fim de tarde, enquanto passava pelos canais da TV, que me deparei com algo que se tornaria um dos meus passatempos favoritos até hoje. Lá, na extinta TV Manchete, eu vi pela primeira vez o desenho dos Cavaleiros do Zodíaco.

Ver Seiya, Shiryu, Shun, Ikki e Hyoga (o meu favorito) enfrentarem os desafios das doze casas do zodíaco, provando um lindo laço de amizade, me deixou fascinado. Sim, eu assistia outros desenhos na época, mas sem muito interesse. Depois dos Cavaleiros do Zodíaco, eu me tornei um verdadeiro fã de desenhos e animes. Quando me dei conta, estava assistindo desenhos com a mesma frequência que jogava videogames. “E se eu pudesse unir essas duas paixões?” Era o que eu perguntava a mim mesmo.

Fora da Caixa

Assistindo TV em casa e jogando videogame na rua. Essas eram diversões que permaneciam separadas para mim, pelo menos nos primeiros anos de minha vida gamer na locadora. Como elas eram bastante improvisadas aqui na minha cidade, algumas dessas locadoras eram, inclusive, montadas em espaços da própria casa do dono. Com isso, a diversidade de jogos era pequena.

Grandes clássicos como Super Mario World, Sonic The Hedgehog, Mega Man, Kirby, Street Figther e Mortal Kombat marcaram presença desde a formação das primeiras locadoras. Contudo, outros títulos tão incríveis quanto esses clássicos, mas menos conhecidos, passaram longe da minha cidade nesses anos iniciais, como Super Metroid, The Legend of Zelda: A Link to the Past, Streets of Rage e Final Fantasy. Imagine só jogos sem o mesmo prestígio desses clássicos.

Por sorte, esse cenário mudaria. Com o sucesso comercial das locadoras, os donos passaram a investir mais em seus comércios, trazendo novos games e criando uma mentalidade empreendedora. Com mais dinheiro entrando, foi possível estruturar melhor as locadoras.

Com isso, os lançamentos eram trazidos com mais velocidade, revistas especializadas passaram a fazer parte do cenário local e novos investimentos para complementar a renda ganhavam força, como doces, salgados e figurinhas colecionáveis.

Novos investimentos

Com essas novas informações e investimentos, cada vez mais jogadores frequentavam as locadoras. E quanto maior o número de pessoas, maior era a procura pelos games. Com mais procura, as filas de espera se tornavam cada vez maiores. E nessas filas de espera, surgiam as rodinhas de conversas animadas.

Rolava de tudo nessas conversas. E, como não podia ser diferente, os comentários entusiasmados sobre o último episódio de Shurato, as discussões acaloradas sobre quem era melhor: Cavaleiros do Zodíaco ou Yu Yu Hakusho, e as tentativas de repetir as jogadas alucinantes de Super Campeões na vida real tomavam conta do lugar. Era impossível o dono da locadora deixar essas conversas passarem despercebidas.

Atentos a tudo isso, os donos de locadora da minha cidade (e da sua também, tenho certeza) passaram a procurar por jogos desses tais desenhos animados tão falados pela turma da locadora. O resultado disso: uma febre atrás da outra.

Nova febre

Jogos com personagens de desenhos animados já marcavam presença nas locadoras de videogame Brasil afora. Muita gente se divertiu com Tom and Jerry para Super Nintendo, os jogos do Bart Simpson para o Nintendinho e as mais diversas adaptações de Batman para os consoles.

Contudo, como os jogos demoravam para chegar no Brasil, dificilmente era possível curtir o game ao mesmo tempo em que o desenho fazia sucesso na TV. Mas, com a modernização das locadoras aqui na minha cidade, o tempo perfeito foi encontrado.

Era final da década de 1990 e a TV Manchete lançava um desenho clássico atrás do outro. No momento, a febre era Yu Yu Hakusho. Não se falava em outra coisa na escola, na rua, nas filas de espera da locadora. Foi durante esse período que a febre dos jogos baseados em desenhos dominaria a locadora até o fim de seus dias aqui na minha cidade.

Sonho?

Era um sábado de manhã e a garotada começava a chegar cedo para jogar e conversar sobre os assuntos da semana. Foi então que eu entro na minha locadora favorita e dou de cara com uma tremenda surpresa. Lá, no centro do salão, estava um fliperama, feito pelo próprio dono da locadora. A máquina exibia um título colorido, cheio de caracteres ilegíveis num fundo preto. Mas, das poucas letras conhecidas, o título era conhecido por todos. Estava escrito: Yu Yu Hakusho: Final.

Não podia ser, os nossos sonhos se realizavam. No meio da enorme febre do desenho que consagrou Yusuke, Hiei, Kurama e Kuwabara, nós teríamos o privilégio de jogar um game inspirado nos acontecimentos do jogo. Era um sonho. Um sonho ainda maior, pois, ele estava no arcade da locadora, que contava com um Super Nintendo dentro dele, conectado a uma TV, emoldurado por uma estrutura de madeira e um controle de fliperama. Foi sucesso absoluto.

A locadora nunca esteve tão cheia. Garotos duelavam dia e noite com seus personagens favoritos, imitando o som dos golpes, gritando jargões do desenho, reconstruindo lutas do episódio anterior. Não precisávamos de outro jogo, como também não precisávamos de outro desenho. Mas, como fomos crianças sortudas nas décadas de 1990 e 2000, a febre dos desenhos e dos jogos inspirados neles estava só começando.

A invasão Dragon Ball Z

Percebendo o sucesso que foi encontrar o tempo perfeito entre as manias da TV e o seu público, os donos de locadora embalaram um hit atrás do outro. Depois de Yu Yu Hakusho, o grande sucesso do momento foi Dragon Ball Z. As aventuras de Goku e seus amigos se tornavam a maior febre da televisão, dando origem a uma série de produtos que sugavam cada centavo da garotada, como bonecos, balas, revistas e, claro, games.

Na locadora, antes mesmo de Goku se tornar um Super Saiyajin contra Freeza na TV, Dragon Ball Z Legends já era o jogo mais locado. O game trazia uma aventura que colocava o jogador para reviver as maiores lutas do desenho. Sucesso maior foi, porém, quando Dragon Ball GT – Final Bout apareceu na locadora, também para PlayStation. O título trazia personagens que nem conhecíamos ainda. O jogo não parava fora do console até a série GT parar de ser reprisada na TV Globo.

Outras manias

Viver durante essa época era como estar em um sonho real. Em casa, vibrávamos com as emoções de desenhos incríveis que marcaram uma geração. Na locadora, éramos aqueles heróis em mundos virtuais. Aquilo não parecia ter fim.

Foram tantos jogos que aproveitaram o sucesso da TV, que eu passaria um dia inteiro relembrando. Como os 101 Dálmatas do Playstation, que pegava carona no desenho que embalava as noites do SBT na TV Cruj, e o Monster Ranger, aventura animal do PlayStation baseado no sucesso da TV Globinho de mesmo nome.

Também contamos com Earthworm Jim, clássico de plataforma resgatado pelas locadoras depois que a série Jim Minhoca estreou na Globo, e Bike Mice From Mars, jogo de corrida com os personagens do desenho Esquadrão Marte, entre tantos outros.

TV da moda

Alguns desses games acompanhavam o sucesso meteórico de suas séries. Chegavam, bombavam e depois sumiam, dando espaço para novas experiências. Mas, algumas conseguiam deixar marcas profundas, como foi o caso de Beyblade, sucesso que trouxe a moda dos peões modernos para uma nova geração no início da década de 2000.

Assistir ao desenho na Globo, brincar com uma Beyblade de plástico (ou de metal se você fosse descolado) e depois correr para a locadora para jogar a versão de PlayStation foi um ritual que dominou a vida de quase todos os garotos e garotas da minha cidade por muito tempo.

Outro desenho que conseguiu esse feito, e talvez de forma ainda mais intensa, foi Digimon. O desenho, exibido pela TV Globo no programa TV Globinho, rivalizou com Pokémon pela preferência da garotada na década de 2000. Mas aqui, a febre Digimon parece ter sido completa, pois quase ninguém possuía um GameBoy para jogar Pokémon nas versões Red e Blue, mas em toda locadora tinha um PlayStation para o pessoal curtir Digimon Rumble Arena e, principalmente, Digimon World.

Mundos virtuais

Ser um treinador Digimon no PlayStation era o sonho de todos aqueles que assistiam ao desenho. Nele, era possível criar o seu monstrinho digital como se fosse um verdadeiro tamagotchi, além de explorar o vasto mundo inspirado na série animada com todos os outros personagens que marcaram as manhãs em casa depois da escola durante praticamente toda a década de 2000.

Isso até as locadoras começarem a perder espaço para as Lan Houses. Antes disso, porém, ainda daria tempo de viver uma última e intensa paixão envolvendo a combinação desenho+videogame: chegava o momento de colocar as cartas na mesa e decidir na estratégia.

Tudo começou quando um tal de Yu-Gi-Oh! começou a ser exibido pela TV Globinho nas manhãs da semana. Diferente de praticamente tudo que passava na época, o desenho focava no duelo de monstros através de um jogo de cartas repleto de estratégia e ação. Em pouco tempo, já virou uma mania.

Febre das cartas

A garotada vibrava com as jogadas de Yugi Muto e seus amigos em partidas alucinantes. Em pouco tempo, todos queriam ter o seu próprio baralho com as cartas mais legais, como o Dragão Branco de Olhos Azuis e o famoso Mago Negro. A mania, claro, invadiu o mundo real. Réplicas das cartas dos jogos em tamanho real e em tamanho miniatura logo surgiram, vendidas em pequenos envelopes de figurinhas colecionáveis. Evidentemente, as locadoras também entraram na onda e trouxeram um dos jogos mais marcantes da geração 32-bit.

Lançado para o PlayStation, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories trouxe para as locadoras toda a estratégia e ação dos combates do desenho. Com direito a combinações, animações durante o combate e todos os personagens e cartas que faziam sucesso na TV, o jogo foi uma febre sem precedentes aqui na minha cidade.

Foram inúmeras às vezes em que cheguei para jogar e vi que todos os consoles da locadora estavam rodando este game. Não se falava em outra coisa. A galera lutava para conseguir suas cartas favoritas, trocava as partes repetidas de Exódia, usava todo tipo de código no GameShark para conseguir novos baralhos. Foi uma loucura, como todas as outras febres de jogos baseados em desenhos na época das antigas locadoras.

Fim da febre

Com a chegada das Lan-Houses e os seus jogos online e redes sociais, as locadoras perderam certo espaço na preferência dos jogadores da minha querida São José do Seridó, no interior do Rio Grande do Norte. As partidas de Yu-Gi-Oh! deram lugar às conversas no MSN, as jornadas em Digimon World eram trocadas pelos depoimentos no Orkut. Em pouco tempo, as formas de interação mudavam e as locadoras já não eram mais o principal ponto de encontro da galera.

Outra mudança importante desse período estava em nós, jogadores. Já não éramos mais crianças, nossas vidas não giravam mais apenas em torno de desenhos e jogos, e as obrigações começavam a dar as caras. Assim, não vivíamos mais essas febres tão intensamente como antes. Mas, de todas essas experiências, o que fica são as boas lembranças de uma época formidável para qualquer um ser feliz. Nunca foi tão bom viver uma febre.


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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