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Uma história de aprendizado com a Turma do Pateta

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Os videogames estiveram presentes em quase todas as fases da minha vida. Com exceção dos meus primeiros quatros anos de idade (quando ainda não jogava), eu sempre consigo associar as minhas melhores lembranças a um game ou console que eu estava jogando na época, como é o caso da minha relação de cooperação e aprendizado com Goof Troop.

Obra de gênio

Lançado em 1993 para Super Nintendo, Goof Troop era, aparentemente, “apenas” mais um jogo com personagens da Disney para a geração 16-bit. Contudo, o título era desenvolvido pela Capcom, empresa sinônimo de qualidade naquela geração — e em todas as seguintes, convenhamos.

Além de contar com o trabalho do excelente time de produção da Capcom, o game tinha o mestre Shinji Mikami como principal designer, um dos maiores responsáveis pelo sucesso da franquia Resident Evil. E foi da união de uma desenvolvedora competente, uma mente brilhante e personagens icônicos que surgiu um dos jogos mais divertidos e adorados do Super Nintendo, sendo conhecido como uma das melhores experiências cooperativas daquela geração.

O encontro

Goof Troop era uma clara aposta da Capcom em aproveitar o sucesso da série animada de mesmo nome que estava em exibição nos EUA desde de 1992. Já no Brasil, o desenho, chamado de A Turma do Pateta só foi começar a ser transmitido pelo SBT em 1997, quando o Super Nintendo começava a perder espaço para os consoles da nova geração.

A demora da exibição da Turma do Pateta, inclusive, pode ter contribuído para a ausência do jogo em algumas locadoras, como foi no caso das locadoras da minha cidade, que jamais tiveram uma cópia desse cartucho disponível.

Foram anos de jogatina com o SNES sem nunca ter conhecido Goof Troop, até que em 2003, no auge da minha adolescência, eu finalmente o conheceria. Lembro perfeitamente do nosso primeiro encontro: eu estava chegando na casa da minha professora de reforço, todo emburrado por ter que passar a tarde inteira estudando, mesmo depois de uma manhã inteira na escola, quando vi o irmão da professora jogando um game colorido naquele videogame antigo.

“Ah, mais que atrasado você. Ninguém joga mais nisso”, disse um Ítalo com 13 anos de idade, no auge do mau humor típico de um adolescente revoltado sem motivo. “A moda é PlayStation. Isso é jogo de criança”, eu dizia pensando ser um senhor prestes a pagar as suas próprias contas, quando na verdade ainda brincava com os bonecos escondido dos amigos.

Eu realmente era/estava bem chato naquela época. Reclamava de tudo. Para completar, eu ainda pensava ter sempre razão e ser o melhor jogador de videogame do mundo – Sim, eu acreditava mesmo. Foi então que o carinha me convidou para jogar: “vamos de dois, Ítalo? Esse jogo é melhor jogando com um amigo”.

Rapidamente respondi o pedido: “vou nada. Joguinho de criança. Além do mais, eu só jogo sozinho e nem amigo seu eu sou”. Não satisfeito, ainda disse: “se eu fosse jogar, coisa que eu não faria para não perder tempo, eu zerava sozinho, sem ajuda de ninguém, porque eu sei que outra pessoa só iria me atrapalhar”.

Cansado da minha soberba, o garoto fez um desafio que mexeria comigo. Ele disse: “ah, é? Você é bom mesmo? Então vamos zerar. Agora tem que ser de dois. Mas eu não vou te ajudar. Se terminar o jogo assim, sua mãe não paga a mensalidade da aula de reforço esse mês”. Fiquei enlouquecido. Eu tinha que mostrar que era bom mesmo. Então aceitei, com todas as condições impostas e contra a vontade da professora que pensava que ficaria sem a minha mensalidade naquele mês.

O desafio

Sabendo que teria um jogo para zerar, fiz todas as minhas atividades de casa com o máximo de atenção e empenho, como nunca havia feito antes. Tudo para ter tempo de sobra para zerar Goof Troop antes que anoitecesse e a minha mãe viesse me buscar. Mas, o problema não foi o tempo.

Foi só começar o jogo, logos nas primeiras telas, e eu fiquei preso, sem conseguir progredir. Como vocês bem sabem, Goof Troop é um jogo que exige cooperação entre os personagens Pateta e Max. O objetivo da aventura é resolver os puzzles através de ações cooperativas. E como uma das condições do irmão da minha professora era não me ajudar no modo multiplayer, eu simplesmente não conseguia completar as missões.

Eu fique furioso. Como eu não conseguiria terminar aquele jogo sem a ajuda de outra pessoa? Ele não deveria ser essencial para o meu sucesso, pois eu era bom o suficiente. Pelo menos era isso que eu pensava. Sai de lá maluco e debaixo de muitas vaias.

O garoto, aproveitando que tinha conseguido acabar comigo com aquele desafio, ficou semanas me zoando. “Olha o rei dos videogames chegando”, “Veio ter aula de reforço de jogatina comigo, foi?”. Todo dia o moleque me recebia com uma piada. E nisso, cada vez mais eu me recusava a fazer atividades em grupo.

Percebendo que eu estava realmente chateado com a situação, e cada vez mais afastado dos meus colegas, a professora resolveu intervir. Decidida a ajudar e a mudar a forma como eu encarava as coisas, ela me colocou de frente com aquele mesmo jogo, ao lado daquele mesmo garoto. Mas, dessa vez, teríamos que trabalhar juntos para completar Goof Troop, ou Pateta e Max, como o chamávamos na época.

Relutei bastante. O irmão da professora muito mais. Naquela altura, já éramos praticamente rivais. Mas, quando ela prometeu me liberar da aula durante a tarde toda para jogar, eu aceitei, A vontade de jogar foi mais forte do que eu.

Aquele momento virou um evento. Até mesmo os outros garotos que estavam na aula pararam para acompanhar a jogatina. E, mais marcante do que toda a confusão anterior, foi mergulhar nesse mundo mágico de Goof Troop.

A jornada

No começo, foi complicado aturar o meu companheiro de jogatina dizendo: “vá, jogue sozinho”, “zera sem a minha ajuda que eu quero ver”. Mas foi então que a professora disse baixinho, só pra mim: “pede desculpa e tenta ajudar ele a resolver esse primeiro quebra-cabeça”. Mesmo contrariado, mas sabendo que aquele seria o único jeito de continuar jogando, eu fiz. Pedi desculpas e perguntei se eu poderia empurrar a pedra para ele passar para a próxima fase.

O sentimento de realização foi incrível. A galera toda aplaudiu logo em seguida. A cada nova tela, nos envolvemos ainda mais com o jogo. Quando menos esperei, já me sentia o verdadeiro Pateta, acompanhado de seu filho Max, naquela fantástica aventura para resgatar João Bafo-de-Onça e B.J, sequestrados por um navio pirata durante uma pescaria na paradisíaca Ilha de Spoonerville.

O jogo realmente era bastante imersivo, exigindo atenção e empenho extremo dos jogadores. Toda a richa e os desentendimentos passados com o irmão da minha professora deixaram de existir tão rápido quanto os piratas inimigos se aproximavam de nós sempre que tentávamos empurrar os blocos para o lugar correto do cenário em busca de novas passagens.

Percorremos juntos a linda praia, a aconchegante ilha, o misterioso Castelo Fantasma e, finalmente, o imponente Navio Fantasma. Para isso, claro, tivemos que trabalhar em equipe, pensando juntos cada passo e cada resolução dos novos quebra-cabeças que surgiam. Até a turma que assistia ajudava quando a situação complicava um pouco mais. Foi uma festa.

Alternando movimentos, usando ganchos, sinos, blocos e vasos, desbravamos cada canto da ilha como verdadeiros exploradores. Pensávamos  juntos na estratégia que seria usada para despistar os inimigos e alcançar a área desejada, ao passo que um ainda encontrava tempo para proteger o outro sempre que um pirata conseguia escapar do nosso bloqueio.

Os desafios iam sendo superados e a emoção de dividir uma jornada como aquela só aumentava. Em ambientes escuros, por exemplo, um cuidava em abrir caminho com a vela enquanto o outro mantinha a retaguarda segura. Um não seguia sem o outro. Tudo em Goof Troop só era possível com cooperação. Até quando não tinham mais inimigos, passávamos um bom tempo cavando o cenário com nossas pás em busca de tesouros.

O Ítalo rabugento e irritante aos poucos se encantava com a beleza do jogo, com o desafio proposto e com a diversão que era dividir um bom game com um amigo. Gráficos revolucionários? Para quê? O que vale mesmo é a diversão. E isso, como sabemos, independe da época, do console, da tecnologia usada. Um bom jogo é sempre um bom jogo. E no caso, Goof Troop era um bom jogo, Ou melhor, um excelente jogo.

A turma que é demais!

Passar por a confusão de emoções e mudanças da adolescência às vezes não é tarefa fácil. Vivemos um intenso período de descobertas e aprendizado que se mistura com as doses extras de hormônios para gerar pequenos seres irritantes. Mas, por sorte, eu tive uma boa professora e um grande videogame para me ensinar que a vida é sempre melhor quando a dividimos com alguém. Mas, para isso, o egoísmo e a arrogância precisam ficar de lado.

Daquela tarde em diante, tirei de mim toda aquela revolta sem causa, todo aquele ar de superioridade injustificável e me tornei uma pessoa mais gentil, paciente e divertida. E, claro, um jogador apaixonado por jogatinas multiplayer com os amigos. Jogar Goof Troop depois da aula de reforço, por exemplo, foi uma tradição durante todo o ano de 2003. Comprei até um Super Nintendo para poder jogar ele com os meus irmãos em casa.

Pode parecer apenas mais um jogo da Disney para alguns. Mas, para mim, foi um instrumento de mudança e aprendizado que guardarei sempre comigo. Uma lembrança inesquecível de um jogo atemporal.


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Ítalo Chianca

Gamer que cresceu jogando com seus irmãos, lendo revistas sobre games e frequentando as antigas locadoras de videogame, hoje divide o seu tempo livre entre as jogatinas e os textos sobre games que costuma publicar no Jogo Véio e nos seus próprios livros (Videogame Locadora, Os videogames e eu, Papo de Locadora, Game Chronicles e Gamer).

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