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O auge da adolescência da maioria das pessoas é regado a festas, encontros com os amigos, passeios de fim de semana e tantas outras atividades que nos apresentam a uma divertida vida boêmia e promíscua. Naquela época, as garotas da escola começavam a tomar formas atraentes e a rivalidade entre grupos de diferentes gêneros vista em filmes como “Os Batutinhas” e “Denis, O Pimentinha” dava espaço à paquera (e até namoro para os guerreiros mais corajosos). Os videogames eram gradativamente substituídos por outras atividades e já não havia mais o mesmo entusiasmo entre amigos para marcar jogatinas de Street Fighter e Internacional Superstar Soccer. Todos estavam abandonando os jogos eletrônicos, exceto este véio (na época, jovem) apaixonado por RPGs, que dedicava-se arduamente a finalizar os clássicos de PlayStation que empilhavam-se na estante do quarto.

Apenas um de meus amigos ainda mantinha sua paixão pelos games acesa, embora estivesse sofrendo com a tentação da nova vida jovial que se encontrava a apenas um passo de distância. Durante uma jogatina de Crash Bash em sua casa, Renato revela seu novo plano:

– Cara, a gente precisa começar a socializar com o pessoal mais popular da escola. Não dá mais para ficar o dia todo em casa jogando videogame.

“Dá, sim!”, pensei, mas queria ouvir mais sobre o assunto. Mantive-me em silêncio para que ele prosseguisse:

– Ficou sabendo que o Gilberto está namorando a garota mais popular da escola?

A única coisa que fiquei sabendo naquela semana é que Cloud Strife não era soldado 1st Class coisa nenhuma. Aquele impostor…

Balancei a cabeça negativamente. Ele continuou:

– Precisamos começar a conversar com o pessoal, ir a algumas festas, deixar de ficar jogando Yu-Gi-Oh! na hora do intervalo das aulas.

“Deixar de jogar Yu-Gi-Oh!? De jeito nenhum!”.

– Nesse estilo nerd que vivemos hoje, ninguém quer conversar com a gente. Quer continuar sendo o “carinha dos videogames” para sempre?

“SIM”, pensei.

– Não – respondi. – Qual é a sugestão.

– Na sexta-feira haverá uma festa na escola ao lado. Vamos lá conhecer uma galera nova, conversar com algumas garotas. Vai ser legal!

“Vou perder algumas horas no Final Fantasy. Bom, será por uma boa causa! Talvez eu realmente deva deixar os jogos de lado por alguns instantes para dar uma chance às festas”.

– Combinado!

Os primeiros passos

No dia seguinte, Renato apareceu na escola com meia hora de antecedência como de costume, mas sem seu baralho de Yu-Gi-Oh!. Foi um dos dias mais decepcionantes daquele ano. Uma partida de cartas antes do início das aulas era um ritual sagrado nos últimos meses.

– Nada de jogar cartas hoje, Lucas. Dedicaremo-nos às interações sociais.

Ficar sem jogar cartas e passar um dia todo conversando com gente estranha? Definitivamente não seria um dia agradável. Entretanto, estava disposto a me esforçar a fim de ser mais sociável.

– Vamos conversar com aquelas duas garotas. Elas são amigas do Gilberto. Quem sabe elas não vão à festa e podemos convidá-las para irem conosco.

Embora nunca tivesse visto as habilidades comunicativas de Renato, impressionei-me com sua facilidade em fazer novas amizades. Sua inteligência interpessoal é invejável até hoje. Durante a conversa, só consegui balançar a cabeça e pensar como gostaria de estar em casa jogando videogame.

Uma das garotas olhou para mim e perguntou-me algo. Não prestei atenção no que ela quis dizer. Pedi-lhe que repetisse a pergunta, mas não consegui entender o que quis dizer novamente. Parecia que estava falando a língua dos moogles (kupo!). Fiquei com vergonha de pedir que dissesse novamente e ela pensasse que eu sou uma pessoa lerda, então arrisquei a resposta com maiores chances de sucesso:

– Ah, sim! – e balancei a cabeça positivamente.

Silêncio. Renato se vira para mim e sussurra:

– Ela perguntou seu nome.

Naquele momento percebi que uma terceira solicitação da pergunta teria sido “menos ruim”.

– Meu nome é Lucas.

Não disse mais nada. Ela também se manteve em silêncio, provavelmente esperando que eu dissesse mais alguma coisa.

– Vou no banheiro e já volto – disse para fugir daquele local. Já havia tido minha dose de constrangimento por um dia. Por sorte, o sinal que marcava o fim do intervalo tocou e nem pensei duas vezes antes de correr para a sala de aula. Nem esperei meu amigo de medo de ter que encarar uma conversa com as garotas novamente.

Quando Renato chegou à sala, sentou à mesa ao lado e me disse:

– Cara, as garotas vão à festa. Vamos com elas?

“NÃO!”, pensei.

– Com certeza! – respondi.

– Combinado! Vamos lá comprar nossos ingressos hoje. Amanhã será o grande dia.

Desliga o videogame e vem pra festa

Naquele tempo não havia redes sociais ou aplicativos de mensagens instantâneas. Os celulares possuíam pequenos displays de 2 bits, toques monofônicos e mandar mensagens aos amigos custava caro. Poderia até ligar para Renato do telefone fixo para marcarmos de ir comprar os ingressos juntos, mas no fundo eu estava torcendo para algum imprevisto me impedir de ir à festa. Nunca estamos de castigo quando precisamos.

Saí de casa com R$10,00 no bolso para comprar meu ingresso e eis que um imprevisto acontece, como desejei: passei em frente à locadora. Ela estava aberta. O convite foi inevitável. Entrei e fiquei olhando as prateleiras repletas de jogos. Com muita dor no peito por ter que sacrificar meu dinheiro daquela maneira (ou pelo menos fingindo sentir-me assim), decidi:

– Vou jogar duas horas de Megaman X4.

Passei a tarde na locadora como nos velhos tempos em que era dono de Mega Drive. Além da jogatina, levei mais um CD para casa e terminei de gastar o dinheiro com algumas balas.

No dia seguinte, não fui à escola e nem à festa, mas tive um fim de semana espetacular jogando Final Fantasy IX. Pude apenas ver a mensagem “Cara, onde você está? Desliga o videogame e vem pra festa!” na tela do meu Siemens A50 durante a noite.

A segunda chance

Na segunda-feira só se falava daquela festa. Todos na escola aparentemente se divertiram demasiadamente e estavam cheios de histórias pra contar. Renato passou a cumprimentar várias pessoas mais populares pelos corredores e ser mais sociável. Não sei o que se passou, mas parece que um evento social daquele nível era capaz de estimular as pessoas a criarem laços mais fortes. Naquele momento estava arrependido por ter perdido um evento que poderia ter me introduzido a um novo grupo social, e quem sabe até mesmo a uma nova vida onde a ansiedade social não teria espaço. Definitivamente, por mais que os jogos eletrônicos fossem bons, eu queria experimentar a sensação de fazer parte de um novo grupo.

– Cara, você perdeu uma festa e tanto – ouço meu amigo dizer. – Eu encontrei um cara muito gente boa lá e fizemos amizade. Ele me apresentou a várias garotas. Possui verdadeira habilidade em sociabilizar. Você deveria vir conosco na próxima festa.

Os videogames me venceram na primeira vez, mas agora eu estava decidido: deixaria os jogos de lado e frequentaria a próxima festa. Renato continuou:

– Na sexta haverá outra festa. Vamos?

– Com certeza! – respondi. – Não perderei a próxima por nada.

– Olha só, aquela garota está vindo aqui. Ela vai na próxima festa e está desacompanhada. Disse para ela vir conversar com você.

“Caramba! O que vou falar?”.

A garota se aproxima e Renato inicia a conversa:

– Oi, Flávia. Tudo bom? Esse aqui é o amigo que mencionei. Conversa com ela, Lucas.

Ela se vira para mim com um belo sorriso no rosto e diz:

– Oi, Lucas.

– Oi.

Silêncio. Falei a primeira coisa que me veio à mente para quebrar aquele momento constrangedor:

– Você gosta de Final Fantasy Tactics?

– Não sei do que você está falando – ela responde.

– Ah, que pena.

– Bom, eu preciso ir. Tchau, garotos.

Meu amigo não disse nada, mas tenho certeza que se sentiu constrangido por essa decepcionante tentativa de comunicação.

– Cara, não se preocupe – disse-me. – Na festa a gente vai conversar com várias garotas. Você vai encontrar uma player 2 por lá.

A nova era se aproxima

A sexta-feira chegou. Era minha nova chance para enfrentar uma nova quest e desbloquear conquistas que jamais havia obtido. O convite dessa vez foi comprado com antecedência para evitar outros “incidentes”. Peguei o celular e liguei para Renato para saber como andava seu progresso:

– E aí? Você vai?

– Não vou mais – respondeu-me. – Tive um imprevisto e estou na casa da minha avó agora.

Entrei em pânico. Não conseguiria completar a quest sem suporte. Não possuía experiência alguma naquela área e provavelmente poderia falhar em minha missão.

– Mas eu comprei meu convite. E agora?

– Vai sozinho mesmo. Não tem segredo. Vai lá e se diverte!

Durante uma meia hora de reflexão, ponderei as palavras do meu amigo. Realmente, não havia nada para me preocupar naquela situação. Estaria em uma festa, não em uma floresta cheia de orcs selvagens (embora eu prefira a segunda opção). Olhei para meu PlayStation na estante e despedi-me dele com certa tristeza, pois sabia que uma nova fase estava começando. De agora em diante, seguiria o mesmo caminho dos meus colegas que abandonaram os jogos lentamente e se dedicaram às interações sociais entre amigos. A sexta-feira deixaria de ser o dia de alugar jogos e passaria a ser conhecida como o dia de encontros entre amigos.

– Adeus, PS1.

Desbravando novas dungeons

Havia chegado ao local. Não conhecia ninguém, mas isso não me abalou em absolutamente nada. Estava alí para fazer novos amigos.

– Vou ficar aqui nesse canto e esperar o pessoal vir falar comigo. Acho que conhecerei muita gente nova hoje.

Estava parado no mesmo local há 10 minutos.

– Ninguém veio falar comigo ainda. Acho que o pessoal está meio ocupado.

Mais 10 minutos se passaram.

– Ainda não conversei com ninguém. Isso é mais difícil do que pensei.

Já estava parado há meia hora no mesmo local.

– Como eu queria estar em casa jogando.

Quando olhei em meu relógio e percebi que uma hora havia se passado, decidi que era hora de partir para uma nova tática.

– Acho que preciso ir conversar com alguém se quiser interagir. Ninguém veio conversar comigo ainda.

Olhei para uma garota que estava sozinha. Pensei que poderia ser agradável conversar com ela por alguns instantes. Fui em sua direção. Quando estava a apenas alguns metros de distância lembrei-me da garota na escola que não gostava de Final Fantasy. E se essa não gostar também? Seria apenas mais um de meus fracassos sociais.

Resolvi ir embora para passar a noite com quem certamente gostava de jogos: meu videogame. Cheguei em casa e corri para abraçar novamente meu PlayStation, pedindo desculpas por pensar que o abandonaria para começar a frequentar festas cheias de pessoas que não gostam de RPGs. Liguei meu amado console e comecei a matar muitos mobs para ganhar experiência e deixar meus personagens fortes para encararmos juntos os próximos desafios.

Toda essa aventura foi útil para aprender uma coisa: festa não dá XP. Até hoje, quando estou em uma festa, fico pensando como eu gostaria de estar em casa jogando.


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Lucas Rodrigues

Gamer desde que tem memórias de sua infância, a paixão pelos videogames iniciou-se no Mega Drive e teve seu ápice no PS1 com os JRPGs (a franquia Final Fantasy foi a protagonista). Trabalha como analista de sistemas e designer de jogos. Possui mestrado em Imagem e Som em andamento pela Universidade Federal de São Carlos, onde desenvolve pesquisas sobre o mercado independente de jogos brasileiros. Sempre escolheu o Squirtle como pokémon inicial e possui alinhamento Neutral Good.

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